Um mês e uma semana após o lançamento do Manual dos Monstros, a Devir lançou em português o Guia do Mestre, o terceiro dos três livros básicos da 4ª Edição de Dungeons & Dragons. Assim como as resenhas anteriores, esta também avalia a edição original em inglês, além do trabalho feito pela editora paulista.
Aqueles que jogaram as edições anteriores de cara vão estranhar o livro: ele é menor que os livros básicos do Mestre das edições antigas. São apenas 224 páginas contra as 256 do Livro do Mestre da 3.0 e as mais de 300 do Livro do Mestre da 3.5. Levando-se em consideração que o tamanho da fonte do novo D&D é maior do que a da 3ª, ele na verdade é um livro bem menor. Então, de cara, a primeira impressão que ele causa é de desconfiança.
A grande diferença, que se percebe assim que se começa a lê-lo, é que os anteriores eram direcionados a Mestres de Jogo experientes, enquanto o novo Guia do Mestre tem como objetivo ensinar àqueles que querem começar a mestrar, ensinar a uma nova geração de jogadores acostumados com os MMORPGs da vida (jogos de RPG eletrônico online), e de quebra mostrar os detalhes do novo sistema aos mais experientes. Então, ele é muito didático, excelente no que se propõe, mas obviamente um livro inferior enquanto livro para Mestres em relação às suas encarnações anteriores. Mas não vamos colocar a carroça na frente dos bois…
A arte do livro está no mesmo nível da arte do Livro do Jogador da 4ª Edição, talvez um pouco melhor. Temos menos ilustrações, mas um número maior feitas pelo excelente Howard Lyon, por exemplo, que em minha opinião é melhor do que William O’Connor, que é o principal ilustrador da arte interna da nova edição. A arte da capa, assim como dos dois livros básicos anteriores, é do grande Wayne Reynolds. Temos até uma homenagem a Kenneth Branagh e Denzel Washington, na página 77, feita por Howard Lyon, inspirada nos filmes shakespereanos Otelo e Muito Barulho por Nada. Mas a melhor arte dos três livros básicos obviamente continua sendo a do Manual dos Monstros.
Na diagramação, a Devir continua fazendo um trabalho melhor que a original, e na tradução não há nenhum grande susto. Embora na revisão aja um ou outro pequeno erro, ela continua melhor que a do Livro do Jogador, que parece ter sido mesmo um acidente de percurso, fruto da mudança na direção da linha aqui no Brasil bem próximo de seu lançamento.
Didático
A melhor palavra para definir o Guia do Mestre é “didático”. E com o sentido mais positivo possível. Escrito por James Wyatt – principal escritor da nova edição do D&D –, ele é uma leitura agradável e fluente, trazendo dicas legais dos profissionais em pequenas caixas de texto, explicando em detalhes a arte de mestrar em si, além de como funciona e como se lida com o sistema de jogo e a mecânica da nova edição. É um livro claramente voltado para quem nunca mestrou uma sessão de RPG na vida, mas com boas observações que alguns Mestres experientes deveriam ler.
O livro possui 11 capítulos, mais modelos de cartões e matrizes de combate, e o costumeiro índice remissivo. Ele não possui introdução ou apresentação, e começa logo de cara com o Capítulo 1: Como Ser Um Mestre. Ele é interessante, bem introdutório, e traz para o jogo a cultura contemporânea da internet, com uma “classificação” dos jogadores segundo suas motivações com o jogo. Este capítulo introduz o leitor na arte de mestrar uma partida de RPG.
O Capítulo 2: Conduzindo o Jogo, fala da tarefa em si de mestrar, da preparação, do tempo de uma sessão, da narração, da condução da história, do uso de acessórios, de como trabalhar as informações, de como ensinar a novos jogadores, etc. Ele complementa o primeiro capítulo, explicando o que e como um Mestre faz em uma sessão de jogo e contextualizando os principais elementos do sistema de jogo de D&D, além de lidar com algumas adversidades básicas.
O capítulo seguinte, Encontros de Combate, aborda a parte principal de um jogo de D&D, as cenas de combate ou encontros de combate. Explica em detalhes em como conduzi-los, além de trazer regras adicionais às apresentadas no Livro do Jogador, como combate aquático, combate montado, vôo, e regras para doenças e venenos.
O quarto capítulo, Criando Encontros, como o título sugere, ensina o Mestre de Jogo a criar os seus próprios encontros de combate, traz modelos de encontros para referência, e detalha o papel e o uso de terrenos em um encontro.
O Capítulo 5: Encontros Gerais é sobre os desafios de perícia, enigmas, armadilhas e perigos. Um desafio de perícia é uma série de testes de perícias em resposta a uma situação dinâmica que não envolve combate em que os personagens buscam ser bem-sucedidos. A diferença entre um desafio de perícia e um teste de perícia comum, é que se a situação necessita mais de uma jogada de perícia, ela é um desafio de perícia. Assim, os desafios de perícia são as situações fora de combate ou paralelas ao combate, como interrogar um prisioneiro, convencer um governante a enviar tropas para uma fronteira, seguir um rastro através de uma floresta, ou desarmar uma armadilha em meio a um combate. A parte sobre enigmas é excelente, dando dicas muito boas sobre vários tipos de enigmas que um Mestre pode usar e, o mais importante, como criar bons enigmas. O capítulo fecha com regras para armadilhas e perigos, e exemplos deles para todos os níveis.
Depois dos Encontros Gerais, temos o capítulo sobre as aventuras. Ele orienta em como conduzir uma aventura publicada, como adaptá-la para o seu mundo de jogo, e como solucionar eventuais problemas que possam surgir no decorrer dela. Ele traz ainda um pequeno conjunto de diretrizes básicas para se criar uma aventura, mostrando o que é uma estrutura boa e o que é uma estrutura fraca. Excelente para quem está começando a mestrar e mesmo para Mestres mais experientes que possam estar “perdendo a mão” na criação de suas próprias aventuras. O resto do capítulo aborda de forma detalhada as missões, os elementos de um encontro, a criação do cenário da aventura, aventuras baseadas em eventos e o elenco de personagens do Mestre: são dicas e orientações de como construir sua aventura, e dar mais “vida” a ela e ao ambiente onde ela transcorre.
O sétimo capítulo é sobre Recompensas e aborda os pontos de experiência (XP), as recompensas por missões bem-sucedidas, o papel de um marco, os tesouros e traz as tabelas com as parcelas de tesouros para todos os níveis.
Temos depois o melhor capítulo do livro, o sobre Campanhas. Ele faz com as campanhas mais do que o Capítulo 6 faz com as aventuras. Ele começa orientando em como conduzir uma campanha publicada, para depois falar sobre alguns dos vários temas para uma campanha e subgêneros de fantasia nos quais o Mestre de Jogo pode se inspirar, além das superaventuras que funcionam como pequenas campanhas. Depois dá dicas de como transformar e desenvolver os temas citados nas histórias-base de suas campanhas, como começar uma campanha, e regras para começar com personagens acima do 1º nível. Finalizando o capítulo temos dicas em como conduzir suas próprias campanhas, os estágios de jogo dentro da campanha e como encerrar uma campanha. Sim, meus caros, não tenham medo de terminar suas campanhas, inclusive bem antes do 30º nível, se for o caso. Uma boa história com um bom final é imensamente melhor do que uma campanha que acabou interrompida.
O capítulo 9 fornece mais informações sobre o mundo de D&D, o cenário default do jogo, o Pontos de Luz. Embora seja genérico e aberto para o desenvolvimento dele pelo Mestre de Jogo – ele não tem sequer um mapa –, este capítulo traz referências e parâmetros da ambientação, falando das áreas civilizadas e das selvagens, e trazendo as regras para inanição, sede e sufocação, e uma classificação mais simples para vilas e cidades. Complementando o capítulo temos informações gerais sobre os planos, os deuses malignos, artefatos e idiomas.
O penúltimo capítulo, Ferramentas do Mestre, não deixa dúvidas do quanto o sistema da nova edição é melhor e mais “amigável” do que os das edições anteriores. Têm menos de duas páginas as regras para modificar monstros, duas páginas as regras para criar monstros novos e três páginas a de criação de PdMs. O capítulo ainda traz os modelos para monstros, fala das regras caseiras, e traz tabelas para gerar masmorras e encontros aleatórios.
O último capítulo apresenta o minicenário de Queda Escarpada e seus arredores, o Vale de Nentir. Queda Escarpada é uma cidade do Pontos de Luz que pode ter a função de ponto de partida para uma campanha. Além da descrição da cidade e do vale, há uma pequena aventura introdutória, “O Covil dos Kobolds”.
Conclusão
O Guia do Mestre é um excelente livro, muito bem escrito por James Wyatt, e o autor cumpre com maestria ao que se propõe. Um livro perfeito para quem quer começar a exercer a função de Mestre de Jogo. Mas é um livro inferior para Mestres experientes. Paira sobre ele a sombra das encarnações anteriores do livro para os Mestres de Dungeons & Dragons.
Notas (de 1 a 6)
Layout/Arte: 5
Texto: 6
Conteúdo: 5
Notal Final: 5
Por Marcelo Telles
Coordenação da REDERPG
Publicado originalmente em 09/02/2010 (1869 leituras)
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