Heroísmo exagerado, parte 1

Que Dungeons & Dragons é um jogo de heróis impossíveis, todo mundo já sabe. Aquela história de dano massivo, de não morrer numa queda, de ferimento letal em qualquer parte do corpo e de Dados (por conseqüência, Pontos) de Vida são há décadas o arsenal básico das legiões que atacam o sistema. Isso sem falar dos poderes letais, como bolas de fogo, baforadas de dragão, palavras do poder e ataques furtivos. Ou da boa e velha espada mágica nas entranhas. Não há o que argumentar do contrário: aqui se encontram todos os que querem não apenas fantasiar, mas fazê-lo exageradamente. Voar dependurado em dragões enquanto os estoca com uma arma? Yes, we can! Impor as mãos sobre um aliado e retorná-lo dos mortos? Yes, we can! Mover-se pelas paredes-sombras-dimensões-lugares-estranhos e surpreender o inimigo? Yes, yes, YES!

E se pudermos ir mais longe?

A quarta edição vai assumidamente quando apresenta maneiras estranhas (aos veteranos) de fazer as coisas: recuperação da noite para o dia, poder sem limite, golpes do ataca-cura-e-ajusta e, em especial, nenhuma penalidade por fazê-las. Isso mesmo! Nada de templos, palavras, gestos e componentes, ou sacrifício pessoal. Tudo está ali, à sua disposição, assim de graça, simplesmente porquê você escolheu aquela opção e não outra. Visco e azevinho cortados com uma foice de ouro numa noite de lua cheia específica do ano? Armaduras atrapalhando na conjuração? Monstros sem anatomia discernível? Incapacidade de usar seus poderes? Seus problemas acabaram (ou não, se você continuar de olho nos artigos vindouros)!

E se pudermos ir ainda mais longe?

Alguns rebaterão logo que aumentar o heroísmo um tantinho mais estragaria o jogo, que talvez ele já tenha alcançado seu limiar de fantasia aceitável (ou digerível). Na verdade, as opções apresentadas aqui dinamizam a partida de uma forma imprevista e, acima de tudo, possibilitam uma colaboração mais significativa dos jogadores com a história que está sendo contada. Recomendo antes a leitura do excelente artigo do Tio Nitro (recentemente reapresentado no Paragons) de como ele faz algo do tipo. Aqui exponho a forma como funciona em minha mesa. Cabe ainda ressaltar que, apesar das (possíveis) semelhanças entre alguns elementos dos artigos (o dele veio primeiro!), a variante de regras que se segue, em especial na segunda parte, é inspirada na mecânica do PDQ Sharp!, analisada pelo Shingo nesta matéria e mencionado pelo Shido nesta. Espero não ter esquecido os créditos de ninguém!

Esta variante considera o uso da regra de ferimentos graves e os vários tipos de dano.

PONTOS DE AÇÃO

Assim como alguns monstros que possuem pontos de ação, personagens dos jogadores não estão mais limitados a gastar um ponto de ação por encontro, embora não possam fazê-lo mais de uma vez por rodada.

Além disso, qualquer personagem pode gastar um ponto de ação e recuperar a utilização de um poder por encontro gasta, ao invés de qualquer outro benefício. Se gastar além do ponto de ação a sua opção de retomar o fôlego (i.e. um pulso de cura, mas sem recuperar pontos de vida ou ter suas defesas temporariamente aumentadas), o poder retornado é um de uso diário ou todos por encontro.

Comentário: Pontos de Ação só começam a ter utilidade interessante em estágios exemplares, quando na nem-tão-velha edição, segundo o Unearthed Arcana, eles só não lavam as roupas dos personagens (e olhe lá)! Além disso, não valia à pena o sacrifício de conservá-los para usar no “último mestre”; somente ele podia utilizar todos os que tinha! Convenhamos: recuperar aqueles poderes que não são confiáveis é uma mão na roda! E o trocadilho é impagável!

PULSOS DE CURA E RETOMAR O FÔLEGO

Qualquer personagem pode gastar um pulso de cura para recuperar um poder por encontro gasto. Não existe limite para quantos pulsos de cura podem ser gastos desta maneira num combate.

Também pode gastar um ponto de ação e sua opção (por encontro) de retomar o fôlego (i.e. um pulso de cura, mas sem restaurar pontos de vida ou ter suas defesas temporariamente aumentadas), e retornar um poder de uso diário ou todos por encontro.

Comentário: Como foi dito no artigo sobre ferimentos graves e os vários tipos de dano, pulsos de cura não são apenas pontos de vida travestidos, mas as reservas de coragem, determinação, racionalidade e vigor do personagem. Perder (ou recuperar) pontos de vida não é necessariamente um abrir (ou fechar) de feridas à vista dos olhos, mas um momento de desânimo/inspiração, de medo/fúria, insanidade/lucidez ou mero vacilo ou ímpeto derradeiro. Se a diferenciação entre poderes é dada pela quantidade de vezes que um personagem pode usá-los devido ao desgaste físico, mental ou espiritual inerente dele, nada mais comum que seja permitido reabastecê-los com essa reserva. E dá ao termo “retomar o fôlego” um novo e mais coerente horizonte de significados.

DANO NORMAL, MÍNIMO E MÁXIMO

Uma jogada de ataque que resulte no exato valor da defesa adversária causa automaticamente dano mínimo para aquele ataque, como se os dados de dano obtivessem o menor valor numa rolagem. Exceções existem para os poderes que causam metade do dano no caso de fracasso; nesta situação, o dano é sempre metade do normal (ou médio).

Uma jogada de ataque que resulte num valor de 1 a 9 pontos acima da defesa adversária causa dano normal (ou médio) para aquele ataque.

Uma jogada de ataque que resulte num valor 10 ou mais pontos superior à defesa adversária automaticamente causa dano máximo, como se os dados obtivessem o maior valor numa rolagem. Entretanto, isto não é o mesmo que um sucesso decisivo, que pode adicionar mais dano proveniente de melhorias mágicas.

Comentário: Os motivos desta opção são basicamente dois. O primeiro é diminuir o caos do combate em favor daqueles que têm realmente o poder. Quem mestra D&D sabe que, contra um grupo experiente e articulado (fora e dentro do jogo), somente os monstros cinco ou mais níveis acima da média apresentam algum desafio e isso se deve à maior quantidade de características recebida pelos personagens dos jogadores. Tentar conceder mais habilidades aos adversários é perder-se no mar de estatísticas durante o combate, então que tal aumentar a letalidade de seus ataques com um pouco mais de controle da probabilidade? Os jogadores não se lançarão mais audaciosamente contra criaturas com um bônus de ataque pelo menos cinco pontos acima da média do grupo, que muitas vezes causará um pesado dano máximo. E se desconsiderar algumas das novas regras para monstros de elite e solitários do Guia do Mestre II, este tipo de adversário será realmente temível com suas defesas elevadas (tornando ainda mais valiosa a aquisição e uso de Dados Selvagens!). O segundo motivo é a aceleração do combate através da diminuição de rolagens. Pode-se substituir, inclusive, os dados de dano por três valores fixos, o mínimo/médio/máximo, a fim de facilitar os cálculos. Os mais perspicazes irão observar que os dois motivos da regra ser entram em contravenção: danos mínimos em criaturas com defesas (e vitalidade) aumentadas prolonga o combate. Porém isso é o que tornará tão atraente a regra de Dados Selvagens apresentada a seguir.

Em breve, a segunda parte deste artigo trará os famigerados Dados Selvagens, a moeda de troca por uma história empolgante entre mestres e jogadores!

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SOBRE O AUTOR:

Melgalian é escritor free-lancer de rpg (e bote free nisso!). Nunca escreveu nenhuma notoriedade e participa ativamente de um projeto oficialmente não-oficial de Forgotten Realms. É feio como um orc e fala feito um ogre. Quando não está a uma frase do colapso mental, Melgalian navega pela internet (computadores odeiam Melgalian) ou curte DVD –Deita, Vira e Dorme. Ele ama seus dois filhos, Orkut e Messenger, e com eles visita os Fóruns de RPG. Recentemente adotou um terceiro, o Twitter.

Artigo extraído das Campanhas Inacabadas.
Enviado por Melgalian
Publicado originalmente no antigo portal em 04/12/2009  (865 leituras)

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