A Morte na Campanha de D&D (Parte 2)

Nesta segunda parte do artigo de ontem, irei falar sobre as Provas do Desafio da Morte, os Resultados do Desafio e como a Morte não precisa ser o fim!

As Provas do Desafio

O Desafio da Morte consiste em três provas que os PdJs têm de passar para provar que são valorosos e ganharem a alma da Rainha de Rapina: a Prova da Força, a Prova da Habilidade, e a Prova da Sabedoria.

Estes desafios nunca são os mesmos – todas as pessoas enfrentam desafios diferentes. Mais do que isso, a memória dos desafios é apagada da mente dos personagens que os enfrentam, mesmo que eles sejam bem sucedidos em todos eles. Dessa forma, mesmo os grupos que conseguiram passar pelo Desafio da Morte não sabem o que ele encompassa. Nenhum personagem sabe o que é o Desafio porque todos eles sempre se esquecem do que passaram. Alguns podem ter até vagas impressões, mas ninguém nunca sabe dizer ao certo pelo o que passou. Isso pode ser difícil de conseguir de alguns jogadores que talvez não tenham tanta habilidade em interpretação – eles podem não separar seu conhecimento de jogadores do conhecimento dos seus personagens; ainda assim, o fato é que todos os seus PdMs que possam ter passado pelo desafio não podem ajudar os PdJs. Alternativamente, você pode optar pode deixar que os personagens do seu mundo se lembrem do desafio que enfrentaram – ainda assim, os desafios nunca são os mesmos.

Em termos de D&D 4, cada prova consiste basicamente de um encontro de RPG. A idéia é fazer com que cada prova seja extremamente difícil – trazer alguém dos mortos deve ser arriscado e desafiador. Ainda assim, as provas devem ser possíveis de serem vencidas, por isso, siga as linhas abaixo:

Prova da Força:
Esta prova consiste num encontro de combate. O encontro deve ser do maior grau de dificuldade possível para personagens no nível dos PdJs – de acordo com as regras do Dungeon Master’s Guide da 4ª edição. Neste livro você encontra as regras para criar um encontro do nível mais difícil possível para seus PdJs, no caso, um encontro 4 níveis acima do grupo. Algumas vezes, se o seu grupo de jogo for muito powergamer e tiver personagens muito combados na mesa, arrisque usar um encontro de 5 níveis acima do grupo. Não é possível “morrer” neste encontro – se todos os personagens caem inconscientes e com menos de 0 PVs no chão a prova falha e eles voltam para a posição inicial do Desafio (vou falar mais sobre essa “posição inicial” mais abaixo).

Prova da Habilidade:
Esta prova consiste num desafio de perícias (o Dungeon Master’s Guide possui as regras de criação de desafios de perícias). Qualquer tipo de desafio de perícias é válido – correr de bandidos, reconstruir uma torre, uma corrida, qualquer idéia que puder ser encaixada com o que você quer. O único detalhe é que este desafio de perícias também deve ser equivalente à um encontro 4 níveis acima do nível dos personagens. É importante que ele seja muito bem trabalhado para que não seja impossível de passar – se você cria um que exige só perícias que o grupo NÃO tem é uma tremenda sacanagem. Ele tem que ser apropriado ao grupo e deve permitir que jogadores espertos ganhem bônus ou sucessos automáticos caso tenham idéias interessantes, como num bom desafio de perícias. Também não é possível “morrer” neste desafio, independente das circunstâncias. Uma falha neste desafio de perícias leva os PCs para a posição inicial.

Prova da Sabedoria: É provavelmente a mais difícil das provas e certamente uma que poderá irritar jogadores que são muito “gamistas”. Ela desafia diretamente os jogadores, não os personagens. Ela consiste de um quebra-cabeça, adivinha, charada, pergunta ou qualquer outro desafio que é proposto aos jogadores. Diferente das outras duas, um personagem “combado” não é necessariamente um personagem capaz de passar esta prova. As regras não intereferem em nenhuma parte dessa prova – toda a questão desse ser resolvida pela capacidade dos próprios jogadores. Mesmo que um deles tenha um personagem com 30 de Wisdom e Intelligence, essas habilidades não ajudam em nada – não dá para resolver a coisa via desafio de perícias ou um teste de habilidade. Se você estiver se sentindo piedoso ou os jogadores estiverem MUITO ruins na questão, você pode dar uma pista ou dica se eles sucederem num teste, mas não vá muito além disso. As regras não devem influenciar nesta prova.

Como a coisa é “sabedoria”, a prova deve exigir intelecto dos jogadores – não necessariamente habilidade manual com alguma coisa ou outra idéia nesse estilo. Há diversas charadas, adivinhas e quebra-cabeças na internet que podem ser adaptados para um cenário medieval fantástico e utilizados nessa prova, o mais clássico sendo o da esfinge “De manhã ando com quatro patas, de tarde uso duas e de noite ando com três. Quem sou eu?”. Dá para usar também qualquer outra idéia que envolva intelectualmente os jogadores – criar um “mini livro” ou uma “figura” para entregar realmente aos jogadores para que eles tenham que manipular e chegar à uma resposta pode ser muito interessante, como um “cubo mágico”, por exemplo.

É importante notar também que a prova deve ser “possível” de ser bem sucedida. Se seus jogadores não estão acostumados com charadas e coisas do gênero, use questões mais fáceis ou comuns, e talvez faça com que várias perguntas mais fáceis tenham de ser resolvidas para completar a prova. É melhor do que usar uma dificílima que ninguém do grupo teria capacidade de resolver.

O Mestre tem que dar aos jogadores o tempo que quiserem para resolver essa prova: ela só acaba quando eles desistirem de enfrentar a questão. Isso quer dizer que se você tiver jogadores teimosos você pode perder uma tarde inteirinha com isso. O limite é o tempo da sessão – de maneira alguma o jogador pode pensar pela semana toda, buscar a resposta na internet e coisas do gênero para responder na próxima sessão. Se tiver faltando pouco tempo para a sua acabar (menos de uma hora), sugira deixar esse desafio para a próxima sessão.

Caso você não seja fã de quebra-cabeças e adivinhas, é possível utilizar de outras idéias também. Desde que você crie algo para engajar o conhecimento dos jogadores, tudo é válido. Você pode fazer um questionáriozinho com questões sobre a campanha – coisas que eles já passaram ou características próprias do seu cenário. Os jogadores que prestaram mais atenção nas sessões anteriores e aqueles que tomaram notas têm mais chances de conseguir passar nessa prova e você recompensa diretamente os que ficaram mais envolvidos com a sua narrativa.

Uma outra idéia é fazer com que este desafio seja um “sucesso automático”, caso você não queira que seus PdJs falhem no Desafio ou caso não tenha tido tempo de preparar charadas ou adivinhas. Neste caso, pergunte algo de cunho moral para cada personagem envolvido. Suas decisões têm implicações reais na campanha, de uma maneira ou de outra. Você pode perguntar por exemplo – “Seu personagem acaba de descobrir quem é o assassino do rei – ele é seu velho amigo PdM fulano. O que você faria?”. Anote a resposta do jogador. Aquela situação vai se tornar real em algum momento da campanha – podendo até mesmo mudar o passado dos personagens e os rumos da narrativa. Os personagens podem até mesmo ganhar o “sucesso automático”, mas o próprio destino de seus personagens pode mudar de acordo com o que disserem. Se você achar interessante, você pode optar por sempre permitir que os jogadores tenham a opção de suceder automaticamente nesta prova desde que entreguem seu destino à Rainha de Rapina!

Novamente, caso os PCs falhem (e talvez não optem por deixar a Rainha controlar seu destino), aparecem simplesmente na posição inicial quando desistirem de responder a questão.

Essa posição inicial que mencionei acima tem a ver com a maneira como o Desafio da Morte é visualizado pelos personagens. Após serem contatados pelo arauto e aceitarem (ou serem obrigados a aceitar) o desafio, a mente dos personagens vai para um demiplano. Demiplanos são planos anômalos que não tem necessariamente ligação ou conexão com os demais. O corpo dos personagens permanece em “transe” até que o desafio termine – que no mundo “real” do cenário dura apenas alguns segundos. Completando o desafio os jogadores reganham consciência alguns instantes depois e tem no máximo vagas memórias sobre o desafio. O ritual Reviver os Mortos funciona como normal e o morto que deveria ser ressuscitado acorda junto com os PCs. Caso falhem miseravelmente, suas almas são dadas à Rainha de Rapina e seus corpos caem sem vida alguns segundos depois de entrarem em transe.

Enquanto o corpo está em transe, a alma (e portanto a consciência) dos personagens está neste demiplano executando o desafio. Esse demiplano pode tomar qualquer forma que você imaginar. De preferência, o demiplano dá dicas sobre quais serão as provas que os jogadores enfrentarão – se eles se encontrarem numa caverna cheia de teias, podem imaginar que o desafio de combate envolverá aranhas e seria legal que a Prova da Força realmente envolvesse tais criaturas. Algumas vezes, o demiplano pode parecer algo completamente neutro – uma terra desolado, sem sol, sem luz, cercada por névoa onde você vê pouco mais que um palmo à sua frente. Cabe a você como Mestre decidir o que usar. Os jogadores interagem com o plano normalmente, como você decidir. Se um deles resolve pular de uma montanha por exemplo, “morre”. Ele voltaria para a posição inicial. Não é possível “morrer” durante o Desafio. Entretanto, itens e habilidades gastos por aqui permanecem gastos; o equipamento que os PCs tinham disponível no mundo natural está aqui com eles.
A posição inicial é o ponto onde os jogadores começam no demiplano. Neste ponto, o arauto sempre irá informar três caminhos que levam às três provas. No exemplo dos túneis por exemplo, podem haver literalmente três túneis que levam aos três desafios. Outras vezes, os caminhos não serão necessariamente “geográficos” – usando o mesmo exemplo, o arauto pode informar que se eles beberem da água que acumula no canto do túnel irão enfrentar a Prova da Sabedoria, se cortarem uma das teias enfrentarão a Prova da Força e se resolverem escalar uma delas irão enfrentar a Prova da Habilidade. Eles sempre voltarão para essa “posição inicial” quando terminarem uma prova, sucedidamente ou não. Você pode querer mudar um pouco a área inicial após cada sucesso ou falha do grupo ou pode mudar completamente a área onde eles “partirão para o próximo desafio”, só tem que fazer questão de deixar claro quais ações levam ao próximo desafio, nem que o arauto tenha que aparecer e falar de novo. No exemplo acima, cada prova falha poderia acrescentar teias à posição inicial enquanto cada sucesso aumenta um buraco no teto por onde a luz pode passar (fazendo um simbolismo interessante não?).

Há uma questão do tempo e recursos dentro deste demiplane também. Eles SEMPRE entram com TODAS as habilidades possíveis para seus personagens “carregadas”. Itens recarregado, PVs máximo e tal. Novos em folha, como se tivessem feito um Descanso Prolongado. Durante o desafio, podem fazer Descansos Breves e ganharem os benefícios normais dele. Entretanto, nunca podem realizar um Descanso Prolongado após terem começado. Isso quer dizer que os jogadores precisam passar pelas três provas sem usar Descansos Prolongados. Normalmente, isso não vai ser um problema porque apenas uma delas é um encontro de combate, mas pode haver consequências ruins no desafio de perícias ou outros prejuízos que os jogadores sofrem por acumular dano ou dreno de recursos numa das provas.

Resultados do Desafio

As conseqüências do Desafio varia de acordo com a quantidade de provas que sucederam e falharam:

Sucesso total – Sucederam nas três provas. Trazem o morto de volta.
Sucesso parcial – Conseguiram dois sucessos. Não conseguem ressuscitar o alvo, mas voltam para o mundo dos vivos.
Falha total – Falharam em duas ou três provas. Não conseguem ressuscitar e perdem suas próprias almas.

Você pode quer adotar outros modelos na sua campanha, se achar que o método acima é muito severo.

Método menos Punitivo

Sucesso total – Sucederam nas três provas. Trazem o morto de volta.
Sucesso parcial – Conseguiram um ou dois sucessos. Não conseguem ressuscitar o alvo, mas voltam para o mundo dos vivos.
Falha total – Falharam as três provas. Não conseguem ressuscitar e perdem suas próprias almas.

Método mais Recompensador

Sucesso total – Sucederam nas três provas. Trazem o morto de volta e não precisam pagar o custo em componentes de Reviver os Mortos ou então podem optar por fazer com que o alvo volte sem a penalidade póstuma.
Sucesso parcial – Conseguiram dois sucessos. Não conseguem ressuscitar o alvo, mas voltam para o mundo dos vivos.
Falha total – Falharam em duas ou três provas. Não conseguem ressuscitar e perdem suas próprias almas.

Método menos Punitivo e mais Recompensador

Sucesso total – Sucederam nas três provas. Trazem o morto de volta.
Sucesso parcial – Conseguiram um ou dois sucessos. Não conseguem ressuscitar o alvo, mas voltam para o mundo dos vivos.
Falha total – Falharam as três provas. Não conseguem ressuscitar e perdem suas próprias almas.

O primeiro modelo é o ideal – quem conseguir completar 100% do Desafio, pode usar o ritual normalmente. Quem conseguir por pouco não vai perder o personagem, mas também não consegue ressuscitar o alvo. Quem vai mal ou falha tudo perde o personagem. O risco é grande o suficiente para que Reviver os Mortos não seja usado a torto e a direito mas também não é grande o bastante para acabar com o grupo caso não consigam um sucesso total.

Os demais modelos são mais levianos – mesmo com um grupo “mas o meno”, é muito difícil falhar as três provas, especialmente se o Mestre não tiver preparado encontros “carroça”. O da recompensa ainda dá um plus para quem consegue o máximo, mas isso pode ser problemático porque os jogadores podem torcer para serem desafiados e conseguirem suceder nas três provas para voltar usar o ritual sem custo ou sem penalidades.

A morte não precisa ser o fim

A idéia acima existe somente para colocar uma razão in-game para que Reviver os Mortos e similares não sejam banalizados e utilizados em qualquer pessoa, assim como desincentiva os jogadores a ressuscitaram à esmo qualquer PdM. Impede planos do estilo “vamos matar o fulano, levá-lo em pedacinhos até o local onde ele não pode ir, e ressuscitamos o cara quando chegarmos lá!” e outros planos que banalizam a morte por conta de existir um ritual que traz qualquer um de volta. Quando o jogador tem de pôr o próprio personagem em risco para ressuscitar alguém, certamente vai levar mais a sério essa questão.

Mas vamos supor que aconteceu um imprevisto. Os jogadores tentaram ressuscitar alguém que você não queria, você coloca o desafio para eles e todos morrem, TPKzinho básico. Você pára a sua campanha por que eles não conseguiram dar conta das provas que você bolou para o seu Desafio da Morte?

Claro que não. Há sempre maneiras de continuar a explorar opções. Você pode deixar que eles criem novos personagens e criem novas histórias para essa campanha, mas pode tentar arranjar maneiras de fazer com que os jogadores joguem com os personagens que criaram originalmente. A Rainha de Rapinda pode fazer uma oferta única a eles – realizar um grande quest (que pode tomar quanto tempo você achar apropriado para a campanha) para que suas almas voltem para o mundo dos vivos. Você pode deixar os personagens reencarnarem no futuro de seu cenário. Eles podem passar a jogar a campanha como servos da deusa da morte, servindo os seus desígnios. Você pode usar os Revenant, uma raça de “mortos-vivos” que saiu no D&D Insider. Há diversas idéias para manter os personagens de sua campanha caso eles tenham morrido num desafio que você não tinha intenção alguma que matasse os jogadores, basta você procurar.

Espero que o artigo tenha ajudado vocês a terem algumas idéias sobre como lidar a morte nas suas campanhas de D&D!

Um abraço a todos e tenham bons jogos!

Por Vinícius Alvin
Publicado originalmente no antigo portal em 03/08/2009  (885 leituras)

 

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