Tudo bem, pessoal? Neste artigo eu quero falar um pouco sobre como lidar com a morte nas suas campanhas de RPG, especificamente nas campanhas de D&D. O texto aqui é voltado principalmente para a 4ª Edição, mas é muito útil para quem joga D&D 3.5 e pode dar algumas idéias para pessoas que jogam com sistemas que têm premissas semelhantes.
Um das questões clássicas do D&D 3.X que ainda se mantém no D&D 4 é a facilidade de ressurreição dos personagens e a consequente banalização da morte. Enquanto no AD&D existiam severas penalidades para executar uma magia tão poderosa quanto ressurreição, nas edições mais novas a tendência do design de jogo têm como intuito fazer com que a morte seja apenas uma penalidade temporária, e não um fim definitivo.
No D&D 3.X, magias como reencarnação, reviver os mortos, e ressurreição começam a aparecer nos por volta do nível 10, permitindo que aventureiros tenham em suas mãos condições cotidianas de trazer um aliado dos mortos, desde que estejam dispostos a pagar alguns custos severos, como perder um nível, voltar em outro corpo e por aí vai. Eventualmente, por volta do nível 17 a magia ressurreição verdadeira esta disponível para clérigos e esta sim fazia com que um personagem voltasse a vida sem sofrer penalidade alguma. Claro, muito antes desses níveis já é possível que os personagens adquiram itens como pergaminhos e bastões mágicos que permitem até mesmo que aventureiros de nível 1, 5 e 8 tenham acesso a magias de ressurreição mais poderosas. No D&D 4 a morte é ainda mais fácil de lidar – o ritual Reviver os Mortos (que causa apenas algumas penalidades temporárias no alvo) já fica disponível a partir do nível 8 e qualquer personagem com um pergaminho contendo este ritual pode usá-lo.
Tendo em vista que em ambos os sistemas tais magias e rituais de ressurreição também estão disponíveis para os PdMs, cria-se uma questão que prejudica a lógica interna destes jogos – se existem maneiras viáveis e relativamente facilmente disponíveis para executar essas magias, porque figuras de grande importância morrem? Claro que os custos são altos, mas isso não impediria um rico rei ou nobre de ser facilmente ressuscitado após a sua morte. Os heróis defensores da paz e da justiça certamente seriam ressuscitados pelos clérigos bondosos que precisam de sua ajuda. Figuras importantes com informações vitais poderiam ser trazidas de volta à vida e compartilhar os preciosos fatos. Tornar a morte um desafio custoso, mas relativamente banal de ser contornado gera esse tipo de problema – uma porção de narrativas típicas do cenário fantástico torna-se mais difícil de ser realizadas.
Os Mestres vêm lidando com esta questão de diversas maneiras – o ritual nem sempre funciona, algumas mortes são realmente definitivas, magias e deuses adversários podem impedir que o ritual ocorra e por aí vai. Este artigo busca discutir uma das inúmeras maneiras que Mestres podem utilizar para fazer com que a morte seja uma penalidade temporária para seus jogadores, mas que não seja uma pedra na narrativa.
O que significa a morte no seu jogo?
Já parou para fazer a pergunta acima? É um ponto interessante de se pensar. Não estou querendo falar necessariamente do significado da morte dentro do seu cenário, mas sim para o seu jogo.
A tendência de design que diz que a morte não deve ser o fim dentro de um jogo não é exclusiva dos jogos de RPG – os videogames também evoluíram na mesma direção. Repare nos primeiros jogos (tanto os videogames quanto os RPGs) – muitas das vezes, a morte de seu personagem em determinado ponto do jogo significava começar tudo do zero. Não existiam “saves”, não existiam magias de acesso fácil para ressurreição de personagens de nível baixo. Uma das características dos jogos mais antigos é justamente a sua dificuldade – falhas eram penalizadas severamente. Isso começa a mudar quando se percebe que a penalidade por uma falha do jogador não pode fazer com que este decida parar de jogar. Por mais que seja realista que personagens mortos não voltem, dificilmente isso incentiva um jogador a continuar jogando um determinado jogo.
Dessa forma, enquanto a morte de um PdM importante dentro de uma campanha de RPG é um evento primariamente dramático ou desafiador, a morte definitiva de um personagem dos jogadores é problemática. Imagine um jogador novato que entre em sua mesa. Ele joga por vários meses e está super empolgado com o personagem que fez e com a história que está ajudando a criar. Se o personagem dele morrer e você disser que ele tem de fazer outro, você realmente acha que esse jogador vai achar o jogo tão interessante quanto antes? Já imaginou se a morte for por conta de um mísero dado? (Oops! Tirei um decisivo, pode fazer outro personagem!)
Claro, no caso de D&D, eventualmente a morte vai mesmo se tornar um desafio facilmente contornado, mas daí as preocupações dos personagens devem ser outras. Como os designers mencionaram, nos níveis épicos do D&D a morte não é exatamente a maior inimiga dos aventureiros, mas sim as consequências de morrer na hora em que o multiverso mais precisava dele. Claro, seu personagem pode ser capaz de voltar dos mortos no mesmo dia (ou até mesmo no mesmo turno), mas se você eventualmente ficar morto por muito tempo, as forças com quem você estava lutando terão tempo de sobra pra fazer picadinho do cenário de campanha. Ou você achava que o Tarrasque ia tirar um cochilo depois de colocar todo o seu grupo pra passear por algumas horas no mundo dos mortos?
O Desafio da Morte
Tendo dito isso, ainda é preciso lidar com a morte na sua campanha. Você não quer que qualquer personagem nível 1 possa trazer de volta um PdM importante da sua campanha (que você como Mestre queria morto) mas também não quer que seus jogadores tenham que criar um novo personagem toda vez que morrerem. Uma das idéias que você pode incorporar na sua campanha é a do Desafio da Morte.
Normalmente, nos jogos de D&D há um panteão de deuses que governam as várias facetas da vida – na maioria deles há um deus que tem como dever cuidar da morte e dos mortos. No D&D 4, esse deus é a Rainha de Rapina, que se encarrega de cuidar das almas de todos os mortos. Num mundo onde você queira usar o Desafio da Morte, os rituais e magias de ressurreição não funcionam como se espera. Toda vez que alguém tenta realizar o ritual, tem de desafiar a própria deusa da morte para conseguir de volta a alma que agora lhe pertence por direito.
No caso do D&D 4, na maioria das vezes que o ritual Reviver os Mortos for utilizado, um arauto da Rainha de Rapina é enviado para desafiar o conjurador. Caso ele falhe, sua pena é entregar sua alma à Rainha. Nem sempre a deusa irá enviar um de seus lacaios para desafiar um conjurador – algumas vezes, o ritual funciona exatamente como está descrito no livro. Estas almas que a Rainha permitir voltar sem questões são alguns poucos privilegiados – ela reconhece que existem alguns seres que ainda não completaram seu destino e precisam voltar a viver, sejam eles bons ou maus.
Isso lhe permite muita flexibilidade narrativa como Mestre – só os PdMs e PdJs que você achar adequado podem voltar sem incitar a fúria da Rainha de Rapina. O ritual também não será tentado levianamente pelos clérigos de seu mundo porque sabem que podem perder a vida no processo.
O Arauto da Rainha de Rapina
O arauto da Rainha pode ser qualquer coisa que o Mestre desejar. Ele pode ser um indivíduo que está encarregado de lidar com todos os que executarem o ritual Reviver os Mortos. Ela pode mandar um de seus lacaios para cada uso do ritual. As definições exatas ficam à escolha do Mestre, o importante é que esse mensageiro tem sempre um único objetivo: testar o valor e a coragem do conjurador do ritual Reviver os Mortos.
O arauto é porta-voz da Rainha de Rapina e tem os melhores interesses de sua deusa em mente. Os conjuradores do ritual (mesmo aqueles que estão apenas usando a opção Prestar Auxílio) são desafiados pelo arauto a passar pelo Desafio da Morte. Se falharem, devem entregar suas almas à deusa da morte. Não há como evitar este desafio uma vez que a Rainha tenha decidido contestar o uso do ritual.
Por Vinícius Alvin
Publicado originalmente no antigo portal em 02/08/2009 (1155 leituras)
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Confiram amanhã, na segunda parte deste artigo, as Provas do Desafio da Morte, os Resultados do Desafio e como a Morte não precisa ser o fim!
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Hanuts
Eu acho q esse cuidado demais em não matar os PJ ou um cuidado exacerbado em colocar desafios que estejam dentro dos dados de vida do grupo são coisas que deixam o jogo monótono e apático.
O que acontece com essas atitudes?
O pjs sabem que vão vencer, eles sabem que vão conseguir matar o monstro da proxima sala.
O que isso faz?
Que não haja o medo sobre o que possa ter na próxima porta. Vamos entrando do jeito que for, matando como for e recolhendo XP.
A morte é o que dá vida ao jogo.
Particularmente, eu procuro desenvolver as campanhas da seguinte forma.
Há aventuras da trama principal e há aventuras paralelas.
As aventuras paralelas surgem com a eventualidade e são dos mais variáveis níveis.
Vc como aventureiro de 1º nível, pode receber a proposta de examinar uma floresta para saber o que está mantando os animais. Chegando lá, os PJs passam a perceber que tem um Dragão verde Ancião. E aí???
Inversamente, como aventureiros de 10º Nível, decidem averiguar o que há na caverna próxima da cidade. Como é próxima e já foi explorada por diversos outros grupos, há somente uns kobolds errantes. E aí???
Dentro da trama principal, chegaram em um ponto que terão que enfrentar gigantes do fogo. Se não tiverem experiência não conseguirão. Teriam que ter feito aventurs paralelas. E aí???
Esse tipo de campanha exige.
1- muito tempo de preparação
2- muita organização por parte do mestre
Mas a morte passa a ser uma aliada. Ela pode estar presente atrás de cada porta.
Particularmente, eu não facilito as coisas.
E a morte é uma incógnita. Ela tá lá. E isso é o que faz o mundo parecer vivo.
Meu mundo não é feito para os Pjs, eles são pecinhas de algo maior.
Outra coisa é ressureição. Que tento dificultar ao máximo para que seja oportunizada.
Meus players não são iniciantes e não param de jogar quando morrem. Por isso faço isso.
São amigos que tentam ao máximo manter seus players vivos em um mundo caótico.
Não dá para comparar a emoçao deles hoje,
ao passar de nível, com antigamente, quando o mundo respeitava suas limitaçoes e a ressureição estava em cada esquina.
ViniciusZoio
Meu deus! Artigos anciões de minha autoria!
Bem, comments:
[b]@Hanuts[/b]
Na prática, minha maneira de mestrar é muito similar à sua. Não ajusto o mundo inteiro ao nível dos PCs. O “main quest” (ou a “trama principal”, como vc coloca) decerto providencia, ao menos, desafios justos – sejam eles fora do nível dos PCs ou não. Já todo o tipo de “side quest” depende exclusivamente da área onde os PCs se encontram. Se ouvem rumores de um dragão ancião numa caverna próxima, se os PCs resolvem ir até o local no nível 1, não encontrarão um wyrmling de acordo com suas capacidades – encontrarão um dragão ancião! :)
Entretanto, tendo experiência com outros cenários onde ressurreição inexiste, embora, evidente, o medo real da morte sempre exista, há também uma dos maiores empecilhos narrativos existentes no RPG – a morte inesperada e indesejada de um PC. Um autor de romance ou filmes costuma possuir o luxo de escolher quem morre e quem vive de acordo com o que for mais dramaticamente emociante para a trama – no RPG, nem sempre.
Claro, para alguns, criar uma narrativa onde os personagens principais morrem um atrás do outro não é problema algum – ou inclusive é algo desejado. No D&D, magias como “ressurreição” existem para dar ao mestre e aos jogadores um certo controle sobre a vida e morte de seus personagens. Entretanto, nas edições mais recentes, ele passa a ser algo tão banal que acaba se tornando também um empecilho narrativo.
As idéias apresentadas nesse artigo (cuja segunda parte presumo que seja postada no futuro próximo) são justamente para essas pessoas que acham que a morte não deve ser algo banal – tanto no sentido de “mortes que não significam nada” quanto no de “mortes que destróem toda a narrativa”.
E, como vc vai ver na segunda parte do artigo, o Desafio da Morte traz justamente o contrário da certeza de sucesso que vc menciona (e que, de certo, é apática) – ele traz -risco- para magias de ressurreição. Ao invés da magia de ressurreição ser um recurso garantido com o qual o personagem pode contar, ela passa a ser um risco, uma aposta. Pode funcionar como pretendido, ou pode tragar ainda mais personagens para a garra da morte. E ainda dá ao mestre a possibilidade de controlar melhor as possibilidades de ressurreição :).
Enfim, sugiro uma lida na segunda parte. Talvez você ache interessante :).