Dicas de Mestre: Construção de personagem (parte I)

Boas histórias dependem de bons personagens

Diversos reinos poderosos já ruíram, enquanto mundos inteiros eram obliterados. Heróis e vilões, exércitos ou comitivas… Nada consegue resistir a um mal tão devastador quanto esse que vou lhes contar: a falta de qualidade dos personagens. Nessa série de artigos que eu vou apresentar a vocês, pretendo mostrar qual a importância que um personagem tem dentro de uma história, como um personagem bem construído ajuda a campanha ficar mais interessante, e desse modo, garantir que você e seu grupo de amigos se divirtam muito mais durante as próximas partidas de RPG. O conteúdo não tem sistemas específicos, serve tanto para jogadores e narradores novatos quanto para os veteranos, e não é direcionado a nenhum estilo de jogo pré-determinado. É um tema universal, a respeito de personagens e narrativas. Essas idéias são um pouco do que eu aprendi ao longo dos anos como jogador de RPG, e espero que agrade.

Personagens ruins invariavelmente podem levar uma campanha a um fim prematuro. Já tive o desprazer de ver bem mais de uma campanha acabando pela simples falta de empolgação por parte dos envolvidos – jogadores e narrador. É importante dar atenção a criação dos personagens porque eles serão o pilar de sustentação da história, é em torno deles que ela vai girar. Se os personagens forem vagos demais e sem defeito algum, a história será simples demais e sem desafio algum. Se o objetivo do RPG para você for o desafio e a liberdade para desenvolver um herói divertido, é bom repensar em como você cria os seus personagens, e eu pretendo ajudar você com isso da melhor maneira que eu conseguir.

Estamos falando de uma narrativa, que é composta por diversos elementos. Quanto melhor eles forem trabalhados, maiores serão as chances da sua campanha ficar interessante e divertida por mais tempo. Os personagens não são o único fator importante em uma crônica, existem outros aspectos que a compõem. Eu não vou entrar em detalhes sobre esses outros, mas, é importante mostrá-los para compreender onde os personagens se encaixam e qual a importância deles (só depois de compreender isso é que as dicas para criar um bom personagem vão fazer algum sentido).

Uma história é composta por:

  1. Tempo: o intervalo de tempo em que os fatos acontecem.
  2. Espaço: a localização em que os fatos acontecem.
  3. Enredo: é o fato em si, com começo, meio e fim.
  4. Narrador: é quem narra os fatos.
  5. Personagens: são os indivíduos que participam de maneira mais significativa nos fatos, e se dividem entre:

  • Protagonistas (personagem principal): é o personagem mais importante da obra, no qual a história gira em torno dele. Geralmente é o herói e em alguns casos pode existir mais de um (numa mesa de RPG geralmente são 5 ou 6, logo, todos devem ter o mesmo grau de atenção). Exemplos: Harry Potter, Frodo Bolseiro e Jack Sparrow.

Em Harry Potter, esse bruxo com a cicatriz na testa não atua sozinho no entanto. Ele sempre está do lado de outros personagens principais, como Ronald Weasley e Hermione Granger. Frodo Bolseiro conta com a proteção de Aragorn, Gimli e Legolas, na saga de O Senhor dos Anéis. Jack Sparrow está diretamente envolvido com Elizabeth Swann e Will Turner na maior parte do tempo. É possível notar que cada um deles tem um papel diferente, com qualidades e defeitos próprios, mas, de alguma forma todos estão unidos, se completam e crescem juntos ao longo da história. Naturalmente que alguns tenham maior destaque por conta das características pessoais, mas, o que seria de um deles sem um dos companheiros? É essa a ideia que é importante você como jogador captar, já que no RPG não existe só um personagem principal. Provavelmente só poderia ser auto-suficiente em uma campanha solo (campanha para somente um jogador).

  • Coadjuvante (personagem secundário): é o personagem que ajuda o protagonista, ele deve ser usado com moderação para não ofuscar a atuação dos heróis. Exemplos: Alvo Dumbledore, C-3PO e Capitão Hector Barbossa.

Os coadjuvantes prestam um papel importante nas campanhas, eles ajudam os personagens em determinados momentos importantes, mas, nunca nos momentos principais. Não são eles que resolvem os problemas, ou derrotam os vilões, por mais poderosos que possam ser. Isso se deve a dois fatores importantes: primeiro porque quase sempre eles tem algum tipo de limitação muito forte, como alguma responsabilidade, um código de honra, ou mesmo uma limitação física, e dessa forma, ficam incapacitados de interferir no papel que é de direito dos protagonistas (se você como narrador tem utilizado seus NPCs para salvar o grupo em situações importantes, você está cometendo um erro muito grave em sua história. Não que não hajam momentos em que, por exemplo, os protagonistas podem salvar o grupo, mas, que não seja em uma cena onde a batalha seja o mais importante da cena. Se os coadjuvantes ajudarem os personagens principais com alguma coisa, é porque naquela cena, o mais importante na verdade é outra coisa, que ficará para os jogadores resolverem).

  • Antagonista: é o personagem que rivaliza o protagonista, quase sempre batalha com o mesmo no final da obra. Geralmente é o vilão e em alguns casos pode haver mais um, no entanto, o antagonista não precisa ser necessariamente uma pessoa, podendo ser um objeto, um monstro ou um fato que dificulte os objetivos do protagonista. Exemplos: Sauron, Voldemort e Darth Sidious.

Os vilões também ficam mais interessantes quando bem construídos, ou seja, quando tem aliados, inimigos, motivações para fazerem o que fazem, pontos fortes, pontos fracos, etc. Tudo o mais que uma pessoa normal teria (claro que há exceções, como Sauron que é o mal absoluto, ou se o vilão for um objeto, uma criatura bestial, etc. que não passam perto de “funcionar” como uma pessoa comum). Normalmente são tão poderosos que um encontro direto no começo da crônica seria fatal. As vezes, até mesmo no final da campanha um encontro direto seria fatal, então um dos pontos interessantes de uma boa história é que na medida em que os heróis vão combatendo seus movimentos, ele vai se tornando mais perigoso, até que o clímax seja a luta final (Sauron, por exemplo, só é derrotado porque o Um Anel foi destruído).

  • Oponente: é o personagem que ajuda o antagonista. Da mesma forma que o coadjuvante em relação ao protagonista, é geralmente aliado do antagonista principal, embora às vezes trabalhe e sirva para o mesmo. Deve ser usado com moderação para não ofuscar o antagonista. Exemplos: Saruman, Draco Malfoy e Davy Jones.

As “regras” para os oponentes são as mesmas que para os coadjuvantes, ou seja, eles não devem ser maiores e melhores do que os próprios antagonistas. Claro que alguns podem acabar sendo mais marcantes, como Davy Jones em cima de Lorde Cutler Beckett, mas, ele não é mais perigoso ou esperto que o chefe da Companhia das Índias Orientais (isso se deve à mesma condição dos coadjuvantes: geralmente possuem limitações muito fortes, o que controla a atuação dos mesmos). No caso de Davy Jones, ele era refém de seu coração, não podia pisar em terra firme, e ainda tinha suas motivações e dramas pessoais. Isso fazia dele um adversário interessante, mas, que jamais teria condições de destruir um grupo inteiro de heróis.

  • Figurante: são os personagens que não são fundamentais para a trama principal, que tem como único objetivo ilustrar o ambiente e o espaço social que são representados durante o desenrolar de uma ação da trama. Exemplos: tripulação de um navio, platéia de uma partida de Quadribol e mercadores de um bazar.

Outros elementos que ajudam na construção de um bom enredo são:

  1. Introdução: onde são apresentados os personagens, o tempo, o espaço, e o enredo.
  2. Trama: nessa fase o fato é desenvolvido para que haja uma melhor compreensão da narrativa. A montagem desses fatos deve levar a um mistério, que se desvendará no clímax.
  3. Clímax: é o momento principal da aventura, a parte emocionante e dinâmica, onde os fatos se encaixam para chegar ao desenlace.
  4. Desenlace: é a conclusão da narração, onde tudo o que ficou pendente durante o desenvolvimento da história é explicado, os mistérios são desvendados.

Para que a história tenha esses elementos bem desenvolvidos é importante fazer alguns questionamentos, que dependem da fase em que a história se encontra: introdução (com quem aconteceu? quando aconteceu? onde aconteceu?), desenvolvimento (o que aconteceu? como aconteceu? porque aconteceu?), e conclusão (qual a consequência desse acontecimento?). Se todas essas perguntas forem bem respondidas e se todos os elementos forem bem desenvolvidos, com certeza você terá potencialmente uma ótima história, e seu grupo comemorará no final da seção. Outro ponto importante é: todos os personagens estão sendo desenvolvidos? O mais importante é que os protagonistas evoluam, mas, os outros personagens também tem uma linha de crescimento e mudam ao longo do tempo. Se nem todos os heróis estão evoluindo, é provável que a história esteja sendo boa – somente para alguns dos jogadores.

Você com certeza deve conhecer bem pelo menos um dos personagens que eu usei como exemplos ali em cima, e deve ter percebido como cada um deles tem um papel diferente dentro da história. As luzes focam sempre nos protagonistas. Você e os outros jogadores controlam os personagens principais da história que o seu narrador desenvolve. Isso significa que você será grandioso, terá renome e que seus atos influenciarão o mundo diretamente. Não serão os personagens do narrador (NPCs) que resolverão os problemas mais graves do mundo, e se vocês morrerem, provavelmente foi uma fatalidade, um erro do narrador (ou o grupo fez uma série de escolhas realmente muito equivocadas), já que para uma história continuar ela precisa de personagens vivos. Os antagonistas e os oponentes serão os desafios, porque sem dificuldade não há superação, mistério, não tem clímax, não tem emoção, enfim, não há razão para contar uma história. Desse modo, não procure criar um personagem acreditando que o seu narrador quer matar o seu personagem, porque ele não quer. Na hora de construir um personagem de RPG, leve em consideração as seguintes idéias:

  • Você é o herói, sempre, ninguém fará o trabalho duro no seu lugar;
  • Se você não tiver limitações e problemas, não terá desafios para superar;
  • O objetivo da história não é te matar, e sim, mostrar sua ascensão (a sua evolução);
  • Você não atuará sozinho, existem protagonistas e coadjuvantes do seu lado (não tente resolver tudo quando estiver em grupo);
  • O seu personagem não é você, não o veja como “eu mesmo perfeito e inatingível”;

Leonardo “Mammoth” Zarpellon é um estudante de Administração que, ao longo de vários anos jogando RPG, constatou que contar histórias não é um ponto forte da sua sociedade. Insatisfeito com as campanhas que começam e terminam poucas semanas depois, e com a ajuda de Diego “Baldwin Ironheart” Nascentes Branco e Eduardo “edthere” Gimenes, ele decidiu compartilhar suas idéias com os que já tiveram experiências parecidas e para os que estão no começo da carreira dentro do hobbie, para que encontrem uma solução para seus problemas. Ele espera que aqueles que se sintam ajudados pelas dicas, enviem quantias generosas de dinheiro para sua conta nas Bahamas.

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2 Comments
  1. Eu senti que ficou faltando dois casos a serem comentados; E eu já passei por ambos quando se trata de jogo.

    O primeiro é o personagem sem vida. Não por que ele é perfeito ou uma versão idealizada do seu jogador, mas sim por que o jogador não se importa com ele. É o típico cara que parte suicida na frente por que o jogador não liga pra ele. Basicamente é só um monte de números que o jogador pode mudar a cada morte.

    O segundo é o contrario. É o personagem preguiçoso. O cara que resolve tudo com seus poderes e capacidades por que é mais rápido e fácil. O cara que resolve matar o NPC que passa a missão pra pegar o ouro sem fazer a quest.

    Essa semana mesmo aconteceu isso. Uma missão foi dada de ir a uma cidade com 400 plebeus encontrar uma pessoa (segundo informações provavelmente morta) para ser cremada conforme as ordens da igreja dele. E o ***** do mago do grupo tentou em pelo menos 5 ocasiões queimar a cidade INTEIRA para garantir que o cara tava morto e cremado.

  2. Bem, a ideia era falar por alto os tipos de personagem que existem em uma narrativa, não especificamente dentro de uma mesa de RPG, por isso não aparece maiores menções sobre sistemas, estilos de jogo, arquétipos de personagens, cenários, etc.

    Eu procuro pensar que o personagem que não tem conceito bem construido, acabam se tornando os “Bob, the Fighters” da vida, e acabam se tornando personagens sem vida, são apenas pilhas de números, algumas vezes otimizados, simplesmente para ficar superando desafios insanamente. Não acho que um personagem assim tenha o espírito de um jogo que se proponha a ser interessante.

    O personagem preguiço eu já acho que também não tem um background descente, porque não aparenta ter moral ou coerência alguma em suas escolhas, como por exemplo nesse caso, de querer explodir tudo simplesmente para poupar tempo. Pessoas normais não fariam isso… se o personagem não se declarou como louco antes da campanha começar, bem, temos um problema por ai.

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