Sunward é um suplemente de Eclipse Phase que trata da Esfera Interna, detalhando as sociedades que existem mais próximas ao Sol, desde os Vulcanóides (Vulcanoids) que vivem em habitações na própria corona solar, até os grupos que habitam Marte. O livro tem a mesma estrutura que Eclipse Phase, mantendo também o mesmo compromisso com qualidade artísca, seja no texto, na arte, ou no layout. Assim como Eclipse Phase, Sunward obedece aos critérios de Creative Commons, e há até mesmo arquivos oficias de torrent no qual é possível obter o livro gratuitamente.
O livro é divido em duas partes: Um guia no qual planetas e regiões habitáveis são tratadas e ao final, o “Game Information”, onde novas regras e opções são apresentadas, incluindo novos equipamentos e biomorphs.
SOL e Mercúrio
Ora, que diabos há na corona solar, se não radiação que irá me torrar em instantes? O capítulo abre justamente discutindo isso, “formas divertidas de morrer”, inclusive especulando sobre como o Sol pode tornar-se uma ameaça existencial. Como toda essa parte inicial do livro, é escrito de forma subjetiva, ensinando os Sentinelas (personagens dos jogadores, agentes do Firewall), sobre essa região de forma muitas vezes irônica e evitando tecnicismos.
E há muito do interesse de Firewall na Corona Solar, não apenas um distinto grupo de biomorphs que “navega” no vácuo em grupos nômades (na maior parte das vezes, cetáceos Elevados), como Habitações chamadas de Vulcanóides, em asteróides próximos do Sol. Graças a essa proximidade, os Vulcanóides não podem ser investigados a distância, e assim, projetos secretos podem ser realizados com pouco risco de serem espionados a longa distância.
Dos Vulcanóides, o mais importante é V/2011-CALDWELL, onde há um dos Portais. O Portal Vulcanóide pertence a Hipercorporação TerraGenesis, e tem acesso limitado devido a ataques que ameaçaram a existência do Portal.
Assim como os Vulcanóides, Mercúrio, o menor e mais próximo planeta do Sol, tem um enorme potencial de uso para projetos secretos. Usado primariamente como fonte de minerais pesados, a inóspita região é pouco habitada, tendo como principais grupos, Hipercorporações que fazem mineração e coleta de energia, e os habitantes locais (os Peneiradores de Areia).
Por menos habitado que seja, Sunward torna Mercúrio um ponto de grande interesse para campanhas. Desde Caloris-18, uma estação ligada aos TITANS e hoje em permanente quarentena, e os transhumanos que se consideram habitantes locais do planeta (tendo uma relação de dependência e conflito com as Hipercorporações). O fato dos empregados da Hipercorporações que se encontram no planeta serem ou “exilados” ou novatos que esperam uma promoção para sair dali, acaba por dar mais um possível gancho de campanhas, trazendo intriga, cobiça e possível traição, para o jogo.
VÊNUS
O planeta é uma versão do inferno mais sofisticada que o próprio Mercúrio. Extremos de temperatura e pressão, aliados a uma superfície tóxica e corrosiva ao ponto do ridículo, tornam o planeta inabitável em sua superfície (apenas Morphs específicos para trabalho na superfície são usados e os mesmos não funcionam em outros ambientes). Por outro lado, umas das maravilhas de Eclipse Phase, as cidades flutuantes, só são encontradas na pesada atmosfera de Vênus (não, que eu saiba, Lando Calrissian não é governador de nenhuma delas ;)).
Dito isto, a própria superfície de Vênus não pode ser ignorada. Existem várias e inespecíficas anomalias na superfície do planeta, que nunca foi totalmente mapeado e nem é constantemente monitorado. A relatoes que vão, desde encontros com resquícios dos TITANs até possíveis artefatos alienígenas (Me faz lembrar da série Defying Gravity). Apesar desses relatos serem considerados apenas rumores pelos habitantes de Vênus, Firewall nunca ignora por completo esses indícios.
Os conflitos na atmosfera de Vênus tem pouco haver com o que acontece na superfície, mas sim com seus resultados, já que dependem dos materiais extraídos para sua sobrevivência. Mas o jogo de poder político e ideológico é onde Firewall mantém fixo seus observadores. Os Aerostats, Habitações que flutuam na atmosfera pesada de Vênus, são em grande parte independentes das corporações que as criaram (e do Consórcio Planetário). A Morningstar Constellation, com sede em Octavia (o maior Aerostat, com meio milhão de habitantes), mantém independete das Hipercorporações e ao mesmo tempo, está sentada em um dos mais ricos locais do sistema solar.
Sunward apresenta o cenário de Vênus de maneira rica em intriga e com possibilidades para uma campanha evoluir de várias maneiras. Seja explorando a superfície do planeta em busca de artefatos dos TITANS ou supostamente alienígenas, ou interferindo nas relações entre as Hipercorporações e Morningstar Constellation. A natureza dos Earostats, sua única arquitetura e cultura, além de ganchos como a Hipercorporação Nimbus e seu contato com os alienígenas (Factors). Se isso não bastasse, estações ao redor de Vênus e seus projetos de Terraformação, ampliam as oportunidades para campanhas que poderiam estar estacionadas na própria região.
TERRA
Se Vênus é uma versão natural do inferno, a Terra é a versão criada pelos TITANs, e sendo assim, por nós mesmos. O capítulo no entanto não abre falando sobre a Terra, mas detalhando a maior catástrofe na história da transhumanidade: a luta contra os TITANs, o eventual Êxodo e o bloqueio que não permite que se volte ao planeta.
O planeta é cercado por um cinto de defesas orbitais automáticas que elimina o que quer que queira entrar ou sair do planeta. Sua superfície, parece ter saído direto de Roadside Picnic (livro dos irmãos Strugatsky, que inspirou o jogo S.T.A.L.K.E.R.), com resquícios dos TITANs e armadilhas de toda forma, tipo e tamanho, capazes de obliterar quem quer que vá ao planeta, muitas vezes além da possibilidade de resgate do EGO (inclusive o infectando a ponto de um resgate ser algo indesejável).
O capítulo referente a Terra é talvez o mais subjetivo. É grande parte é um monólogo de um agente da Firewall apresentando o planeta a um novato que ira ficar com ele monitorando a Terra e o sistema defensivo. NEssa descrição vemos como o planeta foi alterado, antes e depois da Queda, seja por conta do aquecimento global ou destruição na guerra com os TITANs, sua superfície é traicoeira.
A despeito disso tudo, ainda há habitantes no planeta. Não apenas Firewall e outros grupos conseguem atrevessar a barreira e ter sondas e pessoal na superfície, como grupos de transhumanos ainda persistem. O capítulo dá uma idéia dos locais e como podem ter sobrevivido, além dos perigos que encontram no dia-a-dia (que vai de radiação a Exsurgentes). No fim das contas, sobreviver na Terra é como sobreviver num misto de Fallout, S.T.A.L.K.E.R., Exterminador do Futuro, Screamers e quaisquer outros infernos de resto de mundo já inventados ou que o Mestre imagine.
E porque ir para a Terra se é esse inferno? O capítulo da boas idéias, que vão desde conhecimento perdido, até a procura por um possível Portal. Artefatos da Terra são caros e nem toda tecnologia pós-Queda é melhor ou mais avançada do que a que havia no planeta.
ÓRBITA DA TERRA
A descrição das Habitações em órbita da Terra e seus Pontos de Lagrange (http://pt.wikipedia.org/wiki/Pontos_de_Lagrange ;)). E não deixa de ser, uma descrição detalhada da Lunar-Lagrange Alliance (LLA), uma organização formada pelos habitantes e governos que existem na região. Não podia faltar também uma descrição melhor dos Reclamantes, uma facção política e organização que deseja retomar a Terra.
Quando comparado ao capítulo anterior, o capítulo parece esquálido de idéias, mas a Órbita da Terra e os pontos de Lagrange, são um poço de intriga, e necessários para qualquer história na qual se pensa em usar a Terra.
E novamente nos deparamos com a diversidade em Eclipse Phase. Cada habitação descrita tem uma personalidade própria. Desde aquelas atacadas pelos TITANs (que variam de massivas instalações de armamentos orbitais a estações espaciais de luxo) até o Hotel California, uma estação de mineração abandonada e tomada por refugiados que se recusam a ceder o local para Hypercorporações.
LUNA
Conservadora, rica e decadente, o segundo maior centro populacional do sistema solar (40 milhões de habitantes) é o que menos mudou após A Queda. Estável enquanto o resto do sistema solar enfrenta um onda de crescimento, Luna ainda assim é um centro de grande influência, em especial em relação as finanças, moda e entretenimento.
O capítulo também se detém em dois importantes aspectos de Luna: seu regionalismo e o quão verdejante são suas cidades. Não apenas há um grande preconceito étnico em Luna (entre indianos e não-indianos), como há também ligado a isso um bairrismo, no qual pessoas interagem com mais facilidade com outras de sua própria cidade. Luna, devido a atmosfera da Lua (ou a falta desta), tem grande parte de suas cidades no subterrâneo, mas elementos de sua colonização, tanto por não haver um grau avançado de nanotecnologia na época, assim como por razões psicológicas, tornaram a Luna de hoje no centro habitacional com a mais desenvolvida fauna e flora da transhumanidade.
O governo de Luna é dividido entre estações controladas pelo Planetary Consortium e pela Lunar-Lagrange Alliance, e fica claro que aqueles ligados a LLA, nas descrição dada no capítulo, tem uma maior autonomia. Como boa parte de Eclipse Phase, as habitações descritas, na superfície ou em órbita, são uma colcha de retalhos de diferentes culturas, sociedades e idéias, com uma representação ética variada, de grupos europeus (alemães, ingleses, espanhols) e asiáticos (chineses, japoneses, indianos) em sua maioria.
Para os agentes de Firewall, o capítulo detalha como é relativamwente fácil cometer crimes em Luna e manter locais longe do escrutinio de outros grupos, além de existir ainda um sério risco existencial, na forma do vírus exsurgente de Nova Munbai, que sobreviveu ao ataque que havia destruído a cidade.
MARTE
Se você conhece a Trilogia de Marte de Kim Stanley Robinson, o capítulo vai lhe trazer uma certa dose de familiaridade. Desde os detalhes sobre a terraformação a delicada situação política de Marte, em um conflito que tem várias origens, ou melhor, vários momentos de maior precariedade, gerando uma forte reação contra as Hipercorporações na forma do movimento barsoomiano (mais uma referência de FC, dessa vez, de Edgar Rice Burroughs), que reinvindica desde uma Terraformação mais cuidadosa, a uma revisão do sistema de contratos de serviço que de acordo com os barsoomians, não passa de escravidão.
Marte tem muitas vezes um clima de “western no espaço”. As grandes áreas inabitadas e pouco seguras, com pequenas vilas e “ranchos”, grupos de nômades com hábitos culturais peculiares, ganges que roubam trens, rangers que são uma das poucas formas de lei fora das cidades…não tem o clima de pastiche que existe na série Cowboy Bebop, mas a diferença fica por um fio.
O capítulo tem boas descrições das cidades marcianas, onde é claro o contraste com as zonas não urbanizadas e talvez sejam as mais características “cidades transhumanas” do cenário.
A MARGEM INTERNA
O capítulo dá um panorama dos asteróides e habitações que estão longe dos planetas, mas dentro da esfera política e cultural mais próxima do Sol, mesmo que, assim como as várias habitações já vistas, seja bem diversa. Há também informações sobre os Troianos (grupos des asteróides nos Pontos de Lagrange Sol-Marte).
O capítulo é curto, e despojado de informações além daquelas ligadas diretamente as várias habitações. Essa formam o mesmo padrão de retalho dos outros capítulos, com locais que sofrem ou sofreram com os TITANs, bases usadas por cartéis criminosos ou locais que tem sido mantidos por corporações para atividades sigilosas.
CONSÓRCIO PLANETÁRIO
É um capítulo para ser devorado pelo Mestre de Jogo com o melhor talher da casa. Não apenas se destrincha o Consórcio Planetário, dando detalhes sobre sobre sua estrutura e seus planos políticos e econômicos, como analisa sua relevância e postura em relação aos outros poderes do Sistema Solar, e melhor caracteriza os transumanos que vivem em sua esfera de poder.
Facilmente pintado como vilão, o Consórcio Planetário não decepciona,com uma boa parcela de intriga e segredo em sua descrição. Mas Eclipse Phase, e nesse caso, Sunward, é escrito de maneira a não haver deixar absolutos. O tratamento dado não é romântico, mas não descreve o grupo se derramando em malignidade, preferindo uma análise fria, e mesmo que admitindo sua força, não torna ele uma superpotência rodeada por “países satélites”.
INFORMAÇÃO DE JOGO
Essa última parte do livro, dá novas regras para o tratamento de ambientes hostis (Marte, Vênus, etc) no jogo, assim como novos equipamentos e morphs. Animais inteligentes (babuínos e cães transgênicos para Marte) são apresentados, assim como mais robôs e veículos.
O capítulo também detalha as ameaças deixadas pelos TITANs por região, mostra outros antagonistas, e chega mesmo a dar uma lista de possíveis tramas com suas devidas descrições, somando as idéias que surgem na leitura de cada capítulo.
O livro termina com novos exemplos de personagens (e índice), que utilizam os novos Morphs, equipamentos, e sua descrição bate com os novos elementos apresentados em Sunward.
.:LOGGING OFF:.
Sunward reúne todos os excelentes elementos encontrados em Eclipse Phase, e é um livro menos vago, não deixando tantas escolhas ao cargo do mestre. Define claramente o que, como, quando e porquê dos locais e grupos próximos do Sol. Ainda há muito que pode ser definido pelo Mestre de Jogo, pois cada um faz sua campanha como desejar, lógico, mas isso é digno de nota em Sunward para mostrar um caráter maduro do grupo por trás de EP, que mantém uma firmeza de visão a despeito de uma enorme gama de possibilidades para se trabalhar e que poderiam ter feito contradições em relação ao livro básico (pois é, White Wolf dos anos 90, estou olhando para você), especialmente quando o suplemento é tão cheio de novas idéias e potencial.
Por Haroudo Xavier Filho
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