Camila possuía um estranho hábito, mantido em segredo: quando os seus pais saíam, ela acendia uma vela em seu quarto e deitava no chão para observá-la. Na sua imaginação de garota de 12 anos, a chama era uma bailarina que dançava ao sabor da mais leve brisa. A menina possuía grande admiração por essa “ Dança da Chama”, e ficava minutos e mais minutos com o olhar fixo no lume, atenta a cada ondulação.
Um dia algo inusitado ocorreu: a chama ondulava violentamente, agitada, de um modo que não combinava com a suave brisa que percorria o interior da casa . Camila ficou fascinada, não conseguia tirar os olhos daquela coreografia nova e vibrante. Imaginava uma minúscula mulher, balançando o tronco com força, arremessando os longos cabelos ruivos flamejantes para um lado e para o outro. Que espetáculo! Que maravilha!
-Que lindo! Dance, queridinha!- disse animadamente a menina, batendo palmas.-Dance!
Aparentemente a chama ficou empolgada pelos elogios sinceros de Camila, pois balançou ainda mais,e – para espanto da garota- saltou da vela, voando pelo ar com um elegante rodopio. Camila ficou parada por um momento, aturdida, mas logo se recuperou e começou a dar pulinhos de alegria.
-Viva! Viva!- exclamava.
A chama voava pela sala, em volta da menina, que, empolgada, começou a rodopiar de olhos fechados. A sensação era incrível; uma alegria nunca antes sentida percorreu o corpo da jovem enquanto girava, sabendo que a pequena chama dançava ao seu redor. Não soube quanto tempo perdeu ali, rodopiando, desfrutando a sensação de liberdade. Quando cansou de rodar abriu os olhos e chocou-se; não estava mais em casa. De algum modo, foi transportada para um outro local, um salão magnífico de algum palácio de contos e fadas, todo decorado em vermelho e dourado. O local era maravilhoso, e Camila não acreditava nos próprios olhos.
-Isso é um sonho?- Indagou-se.
-Hi,hi,hi!- riram várias chamas semelhantes à chama dançarina da vela, surgidas do nada, que agora rodavam ao redor de Camila.
-Hã? Quê é isso?- o coração da jovem estava dividido entre admiração e temor.
-Calma, Camila! Não vamos fazer mal; gostamos de você.- respondeu uma das minúsculas chamas. A jovem aproximou-se e pode notar que a chama na verdade tinha a forma de uma pequenina mulher alada, como se fosse um tipo de fada flamejante.
-On-onde e-estou?- a menina gaguejava devido às fortes emoções que sentia; porém nesse momento, o medo ameaçava superar o espanto e dominar o seu coração.
-Em nosso Palácio. Você sempre nos convidou à sua casa; nós achamos que já era hora de você visitar-nos. O quê achou de nossa morada?
A garota nada respondeu; estava inebriada com tanto luxo e esplendor. Que dia incrível! As pequeninas chamas riam e dançavam ao seu redor, e logo o temor abandonou o coração da jovem, e ela entregou-se novamente à dança.
-Vejam como ela baila com leveza!- comentavam as fadas flamejantes.
Uma sinfonia vibrante orientava o ritmo da dança; a música parecia sair do próprio chão do Palácio. Alheia a tudo, Camila não percebia que cada salto seu era acompanhado por uma explosão de fogo que saía do solo, logo atrás do local de onde saltara.
A menina dançou, dançou e dançou, até um toque no ombro fazê-la parar. Quando virou-se encontrou um homem bonito, alto e moreno, trajado em luxuosas roupas douradas. Chamas percorriam o seu corpo, sem feri-lo. Na verdade, Camila achava o calor que emanava dele suave e agradável, aquecendo o seu coração virginal sem ferir seu corpo.
-Me concede esta dança?- O homem perguntou suavemente.
-Sim!- respondeu a garota.
-Que sorte ela tem!- sussuravam as pequeninas fadas – Está dançando com o Príncipe!
O casal bailava no grande salão, e só então Camila percebeu que tocava nas chamas emanadas por seu par sem ferir-se; sentia apenas um calor agradável, como se estivesse recebendo a quente luz solar após um longo inverno.
-Que dia maravilhoso!- disse a menina.
-Só é maravilhoso graças à sua presença.- explicou o gentil Príncipe das Chamas.
Explosões de fogo, lindas como fogos de artifício começaram à surgir no salão, assustando um pouco Camila.
-Calma; essas chamas são para você, não vão fazer mal!- e, para comprovar sua afirmação, conduziu a estupefata menina através de um muro de fogo. Admirada, ela saiu do outro lado ilesa, e continuaram a dançar.
Nínguêm na terra jamais viu um salão de dança como aquele: dezenas de seres ígneos surgiram para observar a vigorosa dança do Príncipe das Chamas; alguns, mais entusiasmados tomavam lindas bailarinas de fogo pelas mãos e tambem passavam a bailar, entre explosões de fogo e fadas flamejantes. Como o coração de Camila palpitava de emoção, ao vislumbrar as maravilhas do Palácio Ardente! Quando jogou seu olhar para um homem feito de fogo, este inclinou-se e fez uma elaborada mesura.
-Parece um conto de fadas! Será que estou sonhando?- pensou alto a menina.
-Não!- respondeu o Príncipe.- Você não apreciava a inocente dança de minhas súditas? Elas sempre me falavam bem de você, e me convenceram à trazê-la ao meu Palácio. O quê achou de minha morada? Gostou?
-Oh, é claro; ela é magnífica!- respondeu, encabulada- Me chamo Camila, mas você já devia saber… qual é o seu nome?
-Tenho muitos nomes, mas você pode me chamar de Príncipe das Chamas.
-Príncipe? Uau!- o coração da jovem disparou; sabia que o seu parceiro de dança era importante, mas não imaginava que era um nobre!
Vendo o embaraço da garota, o ser flamejante sorriu:
-Calma, não precisa ficar nervosa!- enquanto ele falava as fadinhas flamejantes soltavam risadinhas infantis- Não precisa me chamar de “Alteza”; me chame do que preferir… e continue a dançar desse modo divino!
Encabulada, a garota prosseguiu com sua dança, e o casal rodopiou pelo salão, que agora estava repleto de dançarinos. Explosões ressoavam ao ritmo da música enquanto colunas de fogo saíam do chão, seguindo um padrão que que combinava com a coreografia do casal. Bailaram por horas, e Camila não mostrava sinais de cansaço, fome, sede ou calor (apesar de tocar constantemente em chamas).
Mas, subitamente Camila parou de dançar e soltou as mãos ardentes do seu parceiro.
-O quê foi?- indagou o Príncipe.
-Me desculpe…- a garota estava sem jeito para falar- Eu tenho que ir embora…
-OH!- as fadinhas fizeram coro.
-Eu fiz alguma coisa que a magoou? Talvez a minha morada humilde à esteja entediando – e como se o próprio Palácio Ardente estivesse entristecido, a música mudou de ritmo, passando de uma veloz valsa para um som baixo, lento e indistinto. Até os pilares de fogo desapareceram; Camila de repente viu-se em um ambiente triste.
-Oh, não, Príncipe! O senhor nunca me magoaria, e o seu Palácio é encantador; eu nunca vi ou imaginei algo tão fantástico…tão lindo!- nesse momento a música voltou à soar alta e veloz, e a luminosidade retornou, como se o próprio Palácio Ardente estivesse feliz com os elogios da garota. A Côrte dos Elementais pronunciou murmúrios de aprovação aos elogios de Camila- Eu realmente adorei esse local… só Deus sabe o quanto eu gosto de ver a Dança das Chamas. Mas é que… estou fora de casa à muitas horas; papai e mamãe já devem ter chegado e com certeza estão muito preocupados por não me encontrar em casa. Não quero magoá-los… eu tenho que voltar para casa .
-Ohh!- Lamentou a Côrte, em uma só voz.
-Você não precisa ir.- Falou o Príncipe das Chamas.
-Eu tenho que ir.- Insistiu Camila, segurando o choro.- Por mim, ficaria aqui a vida toda , mas meus pais ficariam muito tristes e preocupados. Por eles, eu devo ir. Você pode me levar para casa?
-Não.- Respondeu o Príncipe.
Camila ficou surpresa; ele era tão gentil; qual o motivo por trás dessa recusa?
-Príncipe, por…- A indagação de Camila foi interrompida por um gesto do nobre, que indicava que ela devia se calar e olhar para um estranho espelho.
-Você não pode me levar?- Disse a menina enquanto se aproximava do espelho. O Príncipe aguardava em silêncio.
A garota posicionou-se em frente ao espelho e soltou um grito de surpresa; estava diferente…seus olhos estavam dourados, e seus cabelos eram lindas labaredas vermelhas e amarelas.
-Lá não é mais o seu lugar, querida; você se tornou uma de nós!- Disse o Príncipe, enquanto segurava a mão da aturdida jovem, preparando-a para outra Dança das Chamas nos lindos salões dourados e rubros do Palácio Ardente.
Assim Camila, a garota que amava as Chamas Bailarinas, deixou de existir e nunca mais voltou para casa.
Por Atailton Miranda
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