Arquivo REDERPG: Como transformar números em um personagem (parte I)

Como transformar números em um personagem foi um artigo em três partes de Scott Holden-Jones, que Claudio Pozas conseguiu para a REDERPG a autorização da Fiery Dragon para traduzirmos. Confiram a seguir a primeira parte do artigo (1.838 leituras), traduzido pelo Tzimisce e publicado no antigo portal em 3 de setembro de 2003.


 

Claudio Pozas conseguiu para a REDE RPG a autorização da Fiery Dragon para traduzirmos o artigo em três partes de Scott Holden-Jones, “Como transformar números em um personagem”. Leia agora a primeira parte do artigo, traduzido pelo Tzimisce.

Como transformar números em um personagem I

Rolando Dados e Personagens

A primeira vista, especialmente para um novo jogador novo ou leitor casual, D&D 3ª ed parece ser principalmente a respeito de números. Minha esposa está convencida de que o pouco que eu faço no meu trabalho de edição se resume basicamente a equilibrar números e estatísticas de PdMs. Mesmo entre jogadores veteranos essa percepção é comum. Note que essa concepção (errônea) é fácil de entender: antigas edições do jogo careciam de regras compreensivas para ajustar perícias, se apoiando em tabelas quase místicas de estatísticas ou TAC0 ao invés de simples bônus e CDs para determinar o sucesso ou falha dos ataques, testes de resistência e demais ações. A última encarnação do jogo parece também interessada em encontrar meios para quantificar tudo. “D&D está virando Rolemaster,” me disse um amigo um ano atrás.

Isso não quer dizer que eu acho que o 3ª ed não é um bom sistema. Eu realmente acredito que ele é um grande sistema. No entanto, o que freqüentemente parece estar faltando na 3º Edição, eu temo, é o fato de que todos esses números estão aí apenas para nos prover com maneiras para criar personagens realmente únicos e interessantes. Muitas vezes já ouvi ou li a respeito de algum “combo de talentos matador” de algum personagem, ou sobre como o arqueiro de algum jogador “pode detonar aquele seu guerreiro tanque” (“Uh, ‘tanque’? Miniaturas de WWI ficam no final corredor, filho, terceira porta à esquerda”). É raro ouvir pessoas falando a respeito da partida onde tiveram uma fascinante conversa com a Rainha das Fadas ou quando se deram bem numa barganha com um invencível dragão (ao invés de simplesmente trocarem dados de dano). Será que eu estou – talvez só um pouco – vivendo no passado?

Não, droga!

Números são úteis e divertidos, mas somente se usados de maneira correta. Caso contrário, eles simplesmente ficam no caminho de uma boa interpretação, em outras palavras, no caminho do personagem.

Nós não usamos os termos role-playing (interpretação de papéis) e personagem sem razão, e as semelhanças entre a mesa de jogo e um palco de teatro nunca são tão óbvias quanto aqui. No teatro, atores não têm outro recurso que não suas palavras no script para “entrar” em seus personagens. Por meio da miríade de ações e emoções que essas palavras (talvez) sugerem, um bom ator pode tirar algo do script e dar vida àqueles meros rascunhos; ele pode imbuir essas palavras com substância e significado. Juntos, o ator consegue criar uma história viva e desenvolvida.

Deixe-me puxar essa analogia um pouco mais: Como um diretor, eu devo examinar a produção do filme à medida que este se desenvolve. Eu posso estimular, indicar e coagir as coisas numa certa direção, mas é cada ator individualmente que é responsável por procurar por estas coisas em seu script, e encontrar as devidas motivações e emoções para realizar essas ações de uma maneira tanto apropriada quanto convincente para audiência.

Em jogos de interpretação (RPGs), o Mestre pode ser tanto a audiência quanto o diretor, provavelmente trocando de um papel para o outro, ou mesmo sendo ambos. Os jogadores podem em certas ocasiões dirigir o espetáculo também. (Mas lembre-se: o diretor é tanto parte do show quanto os atores no palco). O ponto é que, como um grupo de jogo, nós usamos palavras para criar uma história, uma que seja interessante e que envolva geralmente personagens heróicos.

Claro, em RPGs, nós não temos nossas ações dadas em scripts (bem, a menos que estejamos jogando Dragonlance…)**, muitos menos, eu tenho esperanças, se espera isso. No lugar de scripts, nós temos o privilégio único de criar nossas próprias histórias à medida que a desenvolvemos; este privilégio é em grande parte uma benção, mas pode ser igualmente uma maldição. E, obviamente, palavras – não números – são o que usamos para construir essa história. Umas das maneiras mais fáceis de “entrar no personagem”, seja PJ ou PdM, é construir um grupo de três ou quatro frases – juramentos, maldições, raciocínios, etc – que representem o background daquele personagem, sua visão de mundo e educação.

Agora, é aqui que a coisa fica interessante: é aqui que o personagem de RPG (i.e., números e estatísticas) encontra o personagem de teatro (i.e., a persona). As dicas que nos ajudam a descobrir essas frases são aqueles textos e números na página, talvez juntos com aqueles detalhes de raça e profissão que marcam o estilo de fantasia padrão, tudo unido e temperado por nossas férteis imaginações.

Digamos que eu criei um anão paladino com Int 8, Sab 13 e Car 13. Bem, as chances são de que as afirmações desse personagem não serão sempre belas ou sagazes, apesar de terem um certo nível de percepção e charme. Como role-players (leia-se: contadores de histórias), no entanto, devemos também ter em mente o fato de que paladinos anões gritando “Pelas barbas de Clanggedin!” o fazem de uma maneira bem diferente do que anões ladinos.

Na Parte II de “Como Transformar Números em um Personagem”, nós iremos examinar a criação de personagens de uma perspectiva teatral, usando os números da ficha como guias. Parte III irá discutir o uso dessas táticas através da perspectiva do Mestre: métodos para se usar atributos (altos, baixos e médios) para construir vilões e PdMs úteis e memoráveis.

Nota do Autor: (**) Por favor não me levem a mal – sou um grande fã de DL. Só estou me divertindo um pouco . . .

Por Scott Holden-Jones
Tradução: Tzimisce

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