Sinopse: Ramon Camperini III, este era o seu nome. Fora o guerreiro mais forte de seu mundo, e perdera um único combate: o do amor. Apaixonara-se por Alexia, a perfeição com pernas e seios, e com ela passaria o restante de sua vida, não fosse a intervenção de Lagrath. O meio-abissal era puro demônio por dentro e, mesmo derrotado, deixou sua não-vida para uma não-morte e, aprisionado no inferno, arquitetou sua vingança. Em sua primeira oportunidade, raptou a amada de Ramon e a levou às profundezas. Agora, o guerreiro fará o que mortal nenhum sonhou em fazer: desbravar o inferno, em sete noites. Sim, porque o inferno não tem dias. Nem sol.
Cabelos longos, dourados como o sol das manhãs mais claras; olhos azuis tão límpidos quanto o céu do dia mais belo; pele clara como as nuvens que circulam com o vento mais puro. Trajava sempre a armadura de batalha imensa, de peitoral largo e ombreiras prateadas, do mais caro metal. A espada, Beliel, uma lâmina sagrada que há muito o acompanhava, manchada por vitórias e sangue, de inocentes, em alguns casos, mas do mal em suma. Músculos definidos abaixo do metal cinzento, e a capa vermelha chacoalhava com a brisa. Esse era Ramon Camperini III, o guerreiro mais forte de seu mundo e, quando passava, todos paravam para olhar.
Era, sem duvida alguma, um escolhido divino.
Sua força era cantada por bardos de todas as cidades, suas histórias viravam lendas que crianças implorariam para ouvir. Livros tinham seu nome na capa, pouco reais, pois muito mais que as histórias diziam, Ramon já havia feito. Era um homem de força e glória, de coragem e bravura, de honra e fidelidade. E, acima de tudo, um homem que nunca perderia um combate.
Mas perdeu, uma só vez. O combate contra o amor.
Após inúmeros feitos magníficos e épicos, Ramon conheceu Alexia. A perfeição de seios e pernas, como chamava, era uma mulher maravilhosa, cujos cabelos tinham o mais escuro dos rubros, encaracolados naturalmente, repletos de ar de graça e beleza. O corpo feito de traços sinuosos, curvas simples e modestas, porém bem colocadas. Pele bem tratada, de traços angelicais, e olhos verdes como joias de um tesouro do mais luxuoso dragão.
Ramon nunca cedia a um combate, mas tombou de paixão pela donzela e, retribuído, foi o homem mais feliz do mundo. O fardo da fama era grandioso: perdera sua família graças a isso. Mas jurou proteger Alexia com sua vida se fosse necessário, e casaram-se numa cerimônia majestosa sob essa promessa, com muito choro e bebida, muita festa e comemoração.
Mas, ao longe, havia ambição. E ódio.
Lagrath, muito mais demônio que um desses puro, era um meio-abissal fugitivo de seu reino. O pior adversário que Ramon já enfrentara, responsável pelas marcas de vida que carregava na pele, foi banido pelo paladino para o reino das profundezas, o inferno propriamente dito, e lá deveria não-existir. Largou sua não-vida para ter uma não-morte, e isso era o suficiente. Porém, lá, na câmara das sete noites, Lagrath refletiu, e arquitetou seu plano macabro, repleto de traição e sangue. Queria vingança, e demônios sabe como usar as pessoas a seu favor. Logo, Lagrath estava com poder o suficiente para executar seu plano, e raptou Alexia, levando-a ao mais profundo calabouço infernal.
A vida de Ramon desmoronou, e o guerreiro não sabia o que fazer. Viajou por dias até encontrar sua resposta que, para o mundo todo, não foi nada agradável: para salvar sua esposa, combateria o inferno em si, sem hesitar. Preparou o necessário e, de peito estufado, olhar altivo e confiança de herói, fez o que mortal algum sonhou em fazer.
Desbravou o inferno.
Isso, ouvira ele, seria feito em sete noites. Sim, sete noites, pois, no reino onde a maldade governa, onde as chamas e a dor predominam, não existe dia. Não existe sol, ou sequer uma luz para guiar. Só existia o mal.
Até Ramon chegar.
A primeira noite foi a noite de Amaranth.
Amaranth era o demônio da dor, do sofrimento. O gorila com vinte caudas infernais, flamejantes, de pele feita de espinhos, de cabeça achatada por combates infinitos, do cálice de sangue nas mãos, do trono de rosas murchas. E Amaranth, após furar seus próprios pulsos com centenas de espadas longas, falou:
Aqui, em minha noite, tudo é dor. A dor é minha companheira, a mais pura delas, a única em quem confio. Então, se quer sobreviver à primeira noite no inferno, terá de aguentar a dor.
E Ramon aceitou.
Nu, pois o contrato pediu sua armadura ao chão, atravessou uma floresta de espinhos. Cada ponta cortava a pele, furava os ossos, sangrava as veias e os nervos. Cada passo fazia o próximo ser impossível, mas Ramon não cessou. Na metade do caminho, seus braços pareciam cobertos por um manto vermelho, mas era apenas sangue de sua própria dor.
E os espinhos não perdoavam. Ramon sofreu, e chorou como um bebê, sem que nenhum de seus admiradores pudesse ver. Achou indigno, pois nunca chorava na frente deles. Ao sair dali, contaria a todos como fraquejou diante da dor. Se saísse.
Não precisou. Evitando a fraqueza, assumindo que a mente era muito mais que o corpo, o paladino atravancou nos espinhos, e, ao fim, eles quebraram na sua pele sagrada. Repleto de feridas que humano algum aguentaria em seu mundo, Ramon sorriu, e cuspiu todo o sangue que seus órgãos perfurados jogaram em sua boca. Mas não mais chorou de dor.
E Amaranth, após esfaquear seu próprio pescoço milhares de vezes, falou novamente.
Adoro a dor, e ela me adora. Odeio você, e creio que me odeie também. Mas meu desafio foi cumprido, e não posso negar-lhe a passagem. Siga, cavaleiro que sobrepôs o sofrimento. E, se voltares a face a mim, matá-lo-ei, e, dessa vez, sem dor.
E Ramon não se virou, até ver outra lua, e outra noite.
A segunda noite foi a noite de Bellamnia.
Bellamnia era o demônio serpente, metade do corpo de uma elfa sedutora, e o inferior como cauda de cobra venenosa, de pele escura e cheiro fétido. Era o demônio da traição, da falsidade, e tudo naquela noite era irreal, existia e não existia. E a criatura sorriu com dentes que gotejavam veneno e ácido, e, sedutora, de seios à mostra, provocou. Bebeu de quatro cálices do veneno mais mortal, e falou.
Aqui, em minha noite, tudo é verdadeiro, mas tudo é falso. O que existe não está aqui, e o que está aqui não existe. O veneno não mata, e os remédios encurtam a vida. A morte é companheira, enquanto a vida é passageira. Só amo a agonia. Se quiser sobreviver à segunda noite no inferno, terá de suportar a traição.
E Ramon aceitou.
Sentou-se em uma mesa retangular, e lá estavam seu pai e sua mãe. Cada um lhe ofereceu de um cálice dourado, e cada um tinha seus motivos. Beba meu filho, pois precisa se alimentar bem para crescer forte, e ser o herói de nosso mundo, foram as palavras da mãe. Este cálice guarda o mais poderoso veneno, meu filho, e só morrendo da forma mais grotesca você terá forças para enfrentar o mais grotesco dos perigos, disse o pai. Não precisamos de sua morte, mas de você, em seu mais perfeito estado, disse a mãe em resposta. E o pai só disse Quero sua coragem, e, se sua morte antes vier, pois bem, aceito-a de braços abertos.
Ramon pegou os dois cálices, e só admirou o ouro que compunha cada um. Então, derramou ambos sobre o homem e a mulher, e deixou a mesa.
Pai e Mãe agora eram crias de cobra, e os cálices derreteram no veneno mais imundo e traiçoeiro, rompendo o chão e o tudo com o que se encontraram. Mas Ramon não ligava.
E Bellamnia, mergulhando de corpo todo numa piscina do ácido mais poderoso, falou.
O veneno que não mata fortalece, mas tudo que fortalece um dia mata. Odeio a virtude dos fortes por natureza, pois esses não correm atrás da coragem. Eles já a têm. E isso faz de mim inútil. Siga, paladino de honra fétida, pois pôde sobrepujar a falsidade. E, se voltares a face a mim, farei com que beba três vezes cada veneno que já matou alguém em seu mundo.
E Ramon seguiu, cabeça erguida, moral ao céu.
A terceira noite foi a noite de Leviathan.
Leviathan era o demônio-dragão dos mares furiosos, dos lagos calmos, da água borbulhante, dos rios suavizados, da água que cria, e do líquido que mata. Seu corpo era de escamas azuis, e suas membranas de peixe eram vermelhas como lava. Tinha olhos de magma, pelugem de chamas mesmo submersas, e fogo esverdeado por toda a longa superfície demoníaca de sua existência. Enrolou-se numa torre de globos elétricos, e falou.
Aqui, em minha noite, tudo é água, e água é tudo. O que se esconde abaixo das marés altas é a verdade, pois apenas a falsidade pode existir na brisa, nos ventos e no céu. O que é verdadeiro não se mostra, e é impossível de se alcançar. Só amo a verdade, mas não a sua. A minha verdade. Se quiser sobreviver à terceira noite infernal, terá que alcançar o impossível, chegar ao fim do interminável.
E Ramon aceitou.
Estava em alto mar, trajando da armadura mais pesada, Beliel na cintura, acompanhante fiel. E viu a verdade, mas não a sua: a verdade de Leviathan, submersa, brilhando a milhares de quilômetros abaixo do corpo de Ramon. Nadou.
Baixou sua altura, e seus braços fraquejaram, as feridas dos espinhos abriram novamente, e a água ficou vermelha. As pernas tremeram, o corpo hesitou, mas Ramon não parou de descer, não parou de nadar. E a luz mantinha-se longínqua, e, mesmo que nadasse a eternidade, não a alcançaria.
Mas nadou, e a eternidade deixou de existir, e o infinito quebrou em pedaços. Então, com os braços vermelhos de esforço, a pele trincada de dor e frio, alcançou o que não existia, e fez de tudo verdade.
E Leviathan, nadando no círculo interminável de vidro e metal partido, falou.
A verdade que não existe é criada, e a que existe, esquecida. A mesma água que cura é o líquido que mata, e o herói que luta é o mesmo que foge como garotinha temerosa. O mundo é assim, e é por isso que eu o amo. Siga, paladino de glória desgraçada, pois chegou ao fim do infinito, e ultrapassou o que não existia. E, se voltares a face a mim, farei com que mergulhe no mais fervente magma, e se banhe no mais frio dos líquidos a seguir.
E Ramon seguiu, corpo gélido por sob a armadura, dores inimagináveis. Chorou. Mas seguiu.
A quarta noite foi a noite de Baal.
Baal era o demônio do touro bruto, de músculos de aço, pele rompendo tamanha a força. Lorde da tortura e do pecado, dominava com caos e terror cada área que o metal preso a seu corpo representava: o brinco de cobre na orelha era a morte; o piercing de prata nas narinas era a maldade e a corrupção de mentes; e a haste de ouro atravessada no pescoço era o caos em si, e a tortura de não saber o que se é, quando se é. Ou mesmo se é alguma coisa. Deitou-se nos pregos dourados que para humanos seriam torres, e falou.
Aqui, em minha noite, tudo é tortura, pois a tortura fortalece o forte, e enfraquece o fraco. E, ao fraco, resta o pecado. Ao forte, resta a morte. E, à mim, resta gozar dessa realidade, e é só o que faço. Amo apenas a mim mesmo, e ao egoísmo. Se quiser sobreviver à quarta noite das profundezas, terá apenas que mostrar o valor de sua vida. E de sua morte.
E Ramon aceitou.
Era uma sala escura, e nada podia ver. Ouviu quando o ferro tocou o chão, sentiu quando o metal tocou a pele. E sentiu, muito mais, quando a dor começou. Os cortes da primeira noite não mais doíam, mas essas feridas eram muito piores. Estacas, invisíveis na escuridão, penetravam nos ossos e nos órgãos, e Ramon vomitou sangue, sem ver. Chorou lágrimas rubras, urinou vermelho, e bebeu do próprio sangue. Seus poros tamparam tamanha a dor, e era difícil respirar. Cambaleou no lugar, e hesitou.
Mas manteve-se de pé.
E, quando as chamas mostraram a realidade, Ramon não quis ver, e cegou-se. E a dor cessou.
E Baal, saltitando nas chamas mais ferventes que o mundo jamais veria, falou.
A dor pode ser suportada, mas não quando o caos a auxilia. O terror e o medo de sentir o que não se pode ver, ou ver o que não se pode sentir, é inexplicável. O sofrimento não é nada mais que opcional, mas a dor é inevitável, e o caos… O caos é apenas o paraíso… Siga, paladino, pois vi que não luta por você, o que mostra o valor de sua vida, e que não tem o que perder, o que mostra o valor de sua morte. E, se voltares a face a mim, farei com que beba do próprio sangue, e se enforque com o próprio intestino.
E Ramon seguiu, e só pôde ver muito tempo depois. Andava com dificuldade, mas não parou. Não lutava por si mesmo, como Baal dissera. Não morreria por si mesmo.
A quinta noite foi a noite de Elazul.
Elazul era uma súcubo da beleza estonteante e sedutora, demônio da paixão ardente e da morte amorosa, do rancor e do ciúme, do medo da perda, e da própria solidão. De corpo nu, pele bronzeada pelo magma de sua existência, asas negras como a noite do mundo dos humanos, olhos de lua cheia, curvas de anjo caído, que fariam o mais santo dos homens se masturbar excitado. Esfregou os seios no peito de Ramon, mordeu os próprios lábios até que estes sangrassem, e falou.
Aqui, em minha noite, o amor tem seu valor, a paixão é a verdadeira dor, e o ciúmes domina. A solidão é inimiga dos humanos, e sua fraqueza maior, e o medo da perda só piora a situação. Sabendo disso, gozo da vida que se perde nesses sentimentos. Os mais fracos não resistem, e mesmo os mais fortes tombam. Amo quem ama, e odeio quem é amado, pois não o sou. Se quiser sobreviver à quinta noite do submundo, tem apenas que amar. E resistir a isso.
E Ramon hesitou, mas aceitou.
No quarto de seu castelo, em seu reino, debaixo do céu que via todos os dias ao acordar. Serviram de uma bebida forte, sua favorita. Quando pensou em se levantar, duas mãos o empurraram de volta à cama, e eram de Alexia. Engoliu em seco.
Alexia, nua, expressão irreconhecível, mas ainda linda. Abraçou-o, e fizeram amor. E, depois, saiu, e deixou Ramon sozinho.
Teve medo, mas sabia que aquilo era uma provação. Mesmo assim, suas pernas tremeram, e não havia dor alguma. Seus olhos derramaram lágrimas como cachoeiras, seus braços fraquejaram. E não havia dor alguma.
—Eu…
Alexia voltou, e novamente o jogou na cama. Fariam amor novamente, mas Ramon a impediu. Segurando seus braços, olhou-a nos olhos, e o pranto embaçou sua visão.
—Eu amo você.
Tudo desmoronou. Masturbando-se com pedras efervescentes, Elazul falou.
Amar é raro, e demônios não o fazem como deveriam. Nosso amor é ódio, e nosso ódio é força. Mas não amamos. Você ama. E é amado. O odeio por isso. Siga, paladino de coração ferido, de alma despedaçada, pois pôde mostrar a um demônio o significado de amor. E resistiu, como ninguém nunca o fizera. E, se voltares a face a mim, farei com que me ame pelo resto da eternidade, a qual será sua única companheira.
E Ramon seguiu. Sentiu que estava perto, e a visão de Alexia o fez ganhar forças. Seguiu.
E a sexta noite foi a noite de Coralinne.
Coralinne era a dragoa mãe, criadora de Tiamat e do próprio Leviathan, assim como de todos os outros dragões demoníacos que os mundos rondam. Tinha sete cabeças dracônicas, cada uma representando um elemento, uma cor, uma virtude, uma força magnífica. Sua cauda tinha cristais, e chamas, e árvores, e seu corpo por si só era um continente a flutuar. Baforou fogo, gelo, relâmpagos, ácido, vento e diversos outros elementos, e falou.
Aqui, em minha noite, os dragões reinam. E, além deles, reina o medo, o pavor, o pânico. Homens, de qual raça sejam, não podem suportar o medo, seja ele qual for. Amo quem se diz corajoso, pois a melhor cena é ver um destes cair em lágrimas, tremendo de pânico. Se quiser sobreviver à sexta noite do inferno, terá que me provar que o medo não existe em você.
E Ramon quase teve medo. Mas aceitou.
Na sala, seu pai, sua mãe, Alexia. E ele. Mas não ele. Uma sombra.
A sombra brandiu Beliel, gloriosa, e o brilho cegou os demais. Um corte, e a cabeça de seu pai rolou num banho de sangue. O segundo golpe penetrou sua mãe por completo, e a partiu em dois na retirada. E o último dos três errou Alexia, por centímetros.
Ramon suspirou.
A sombra então se virou para ele, e sua voz era a mesma, como um espelho que falasse.
—Mate-a.
Ramon hesitou.
Brandiu Beliel.
Sabia que era um teste. Sabia que era uma provação, uma coisa digna de um demônio. Mas era Alexia. E a amava.
E, somente porque a amava, teve coragem para matá-la. Afinal, se não o fizesse, nunca poderia salvar sua esposa das mãos do asqueroso Lagrath. Estocou Beliel no estômago de Alexia, e a lâmina subiu, e logo o corpo da amada era cinzas, e logo, nada.
Ao fundo, seis cabeças de dragão se morderam, enquanto apenas uma delas falou.
O medo acompanha a todos, mas seu medo foi superado. Alguma coisa o motiva a continuar, e a seguir mesmo acima de sua coragem, mesmo abaixo de sua honra. Segue fiel, o que não sei admirar, mas sei reconhecer. Odeio você por isso, e a todos os seus. Siga, paladino de medo nulo, de coragem divina, de bravura inesgotável, pois pôde me provar que o medo só existe nos que assim desejam. E, se voltares a face a mim, farei com que tema sua própria imagem no espelho, sua própria sombra ao chão, e o próprio ar que respira.
E Ramon seguiu. Caminhava com dificuldade, mas sabia que estava perto. Não aguenta mais, mas chegaria até o fim. Desistir estava fora de cogitação. Perder também. Seguiu.
E, a última noite, foi a noite de Asmodeus.
Asmodeus era, dentre os demônios, o mais próximo de Lúcifer, o governante de todos os reinos infernais. Reinava sobre o medo, o terror, o caos, a dor, o sofrimento, a ambição, a tortura, e tudo o que de mal existia. E fazia isso bem. Ramon estremeceu na sua presença, e recuou de sua aparecia: uma besta disforme, incapaz de ser descrita ou comparada. Tinha carapaças diversas, cascos, mil olhos, mil bocas, milhões de espinhos, escamas, centenas de pernas e braços, asas, cascos, patas, narinas, e coisas que sequer nome tinham. Assustava apenas por existir, por respirar. Por estar vivo.
Mas Ramon não ligou. Aquela seria a última noite.
Atravessado por uma espada de proporções inimagináveis, Asmodeus falou.
Aqui, em minha noite, apenas a morte reina. Nem mesmo outros demônios que aqui ousaram pisar sobreviveram, suas não-vidas agora são menos que o chão que você pisa, suas existências, menos que a honra que ainda carrega. E, mesmo assim, ousou chegar até aqui. Se quiser sobreviver à sétima noite no inferno, terá de ser um deus. Pois, aqui, só há morte.
E Ramon aceitou. Morreria, se preciso. Mas venceria.
E Asmodeus rugiu, não se podia dizer por onde, e relâmpagos destroçaram montanhas de magma sólido nas proximidades, e a lava explodiu, vulcões entraram em erupção, tornados carregaram chamas e trovões por todo local. Ramon brandiu Beliel, e se preparou, mas não sabia o que faria.
Sua coragem o guiou, e ele se defendeu dos ataques. Sem rumo, sem medo de perder a vida, sem hesitação, Ramon só pensava em seu objetivo. Só queria vencer aquele último desafio e resgatar sua amada. Brandiu Beliel, a espada sagrada que sempre o acompanhou, e estocou a lâmina no coração de Asmodeus, mesmo que não soubesse que atingira o ponto certo. Alguma coisa o guiou, e o demônio urrou de dor. E falou.
Só há morte, paladino. Você não é um deus. Nem mesmo eu sou. E, aqui só há morte, e é onde existo, e onde não existe nada, nem ninguém. Teve coragem de enfrentar todas as noites, teve glória para suportar toda dor, teve confiança para passar por todas as provações. Mas, aqui só há morte. E a morte é o esquecimento.
Ramon hesitou. Guardou Beliel.
Siga, paladino, pois não mais viverá. Após as sete noites do inferno, não há vida, nem recompensas. Mas, se é o que deseja, siga. Jogou fora sua honra, despedaçou sua glória, acabou com sua bravura e suas lendas. Não tenho porquê te impedir. Mas, se voltares o olhar a mim, a morte será apenas o início de seu sofrimento. Agora, suma daqui, e seja feliz em sua não-vida, e em sua não-morte.
E Ramon seguiu. O corpo se encheu de força, e todas as feridas doeram ao mesmo tempo, mas não fraquejou. Seguiu.
Lagrath, de cabelos cinzentos anormais e pele escura feito a noite, tombou ao chão com facilidade. Ramon era um deus naquele momento, e Beliel o guiara até o inimigo, e o abatera. O meio-abissal gozou de seus últimos suspiros em uma risada satânica, e desapareceu em chamas escarlates, os uivos e guinchos de milhões de demônios o acompanhando. Beliel voltou à bainha, e Ramon só então viu Alexia, aprisionada em correntes, amordaçada, machucada. Retirou novamente sua arma, e partiu a prisão da esposa, e tudo foi luz mais uma vez.
Em seu quarto, Alexia repousava na cama do rei, do herói que todos louvaram. A espada sagrada mantinha-se na bainha, em uma das paredes do cômodo, uma amostra de poder e vaidade, orgulho e honra. Beliel carregava tudo isso, assim como o próprio Ramon. O guerreiro estava sentado em um canto da cama, observando a amada, os olhos repletos de lágrimas, o sorriso estampado na face. Orgulho. Completara sua missão.
Levantou-se.
O mundo todo chorou com a notícia. Ramon admirou sua esposa até que ela acordasse. Viu sua beleza estonteante mais uma vez em vida, em movimento, e se apaixonou como na primeira vez. Gozou de seus instantes, e então a viu chorar. Alexia sentiu, sabia.
E Ramon não queria ver aquilo. Virou-se de costas. Tocou o espírito de Beliel, na bainha, e ouviu da espada. Vamos embora. E foram. Partiram, dois espectros, flutuando pelo ar, subindo ao reino dos céus.
E o pranto do mundo foi imenso, com a notícia de que Ramon Camperini III, o herói que todos admiravam, não pôde retornar com vida do inferno, de sua busca. Mas trouxera sua esposa, a bela Alexia, que agora era louvada feito rainha por tudo e todos.
Mas Alexia não estava feliz.
Sentia-se sozinha. E esse era o verdadeiro inferno.
Por Ro FolDo
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blackdark
Opa, agradeço ao Rede RPG pelo espaço para a postagem do conto, obrigado mesmo! Àqueles que gostarem e quiserem conferir, tem muito mais postado no meu Nyah, não deixem de visitar! http://www.fanfiction.com.br/darksensei