Neuromancer, de William Gibson, é um dos romances de ficção científica mais importantes de todos os tempos, a obra que inicia o gênero cyberpunk, e foi eleito pela revista Time como um dos 100 mais importantes romances em língua inglesa do século XX. Em 2008 foi lançado em português pela Editora Aleph a edição comemorativa de 25 anos do livro. A resenha a seguir foi feita a partir da primeira edição lançada no Brasil pela Aleph, em 1991, e foi escrita por Jocimar Oliani, sendo publicada no antigo portal em 1 de junho de 2003 (1.105 leituras). Confiram a seguir.
Neuromancer
Um hacker ardiloso e talentoso é “contratado” para invadir um sistema de uma mega-corporação em busca de uma informação secreta especifica, só que há mais coisa nisso no que ele consegue perceber… Enredo clichê em cyberpunk? Pode ser… Agora. Porque essa é justamente a síntese do enredo de “Neuromancer”, um dos livros pioneiros do Movimento Cyberpunk, escrito por William Gibson em 1984.
Em “Neuromancer”, Gibson mostra um mundo decadente, poluído e perigoso em um futuro próximo, onde o poder verdadeiro não está em governos, mas nas grandes corporações multinacionais e seus sistemas gigantescos de computação, que controlam a unica coisa que tem valor real: a informação. É um mundo onde longe das torres de marfim das grandes empresas, a Yakuza reina, controlando cada aspecto da vida, onde o crime é a unica forma de sobrevivência…
Esse é um mundo onde a relação humanidade-computador foi levada às últimas conseqüências. O corpo e o cérebro humanos podem ser trocados e melhorados pela cibernetica e pela engenharia genetica. Atráves de sensores chamados “dermatrodos”, a mente do hacker (aqui chamado “Cowboy”) vai *diretamente* à informação, aos dados, navegando numa “alucinação consensual, vivida diariamente por bilhões de operadores, em todas as nações… Uma representação grafica de dados abstraídos dos bancos de dados de todos os computadores do sistema humano…” – o Ciberespaço.
Este é o mundo onde Case, um ex-hacker que teve o sistema nervoso inutilizado, vive: tentando sobreviver nas ruas perigosas de Night City, os arredores criminais de Tóquio. É quando ele, em troca de ter seu sistema nervoso restaurado, é “convidado” a se juntar a um grupo que pretende invadir o sistema da Tessier-Ashpool S.A., uma mega-corporação controlada por advogados e uma dupla de Inteligências Artificiais, enquanto seus donos vivem em sistemas criogênicos instalados em estações espaciais, sob ordens de um misterioso chefe. Esse grupo é composto por Molly, uma samurai de rua com vários implantes, Dixie Linha Reta, o hacker que treinou Case (na verdade uma gravação de seu padrão neural, um spectrom), Armitage, o silencioso contato com o “cliente” desse trabalho, e Peter Riviera, um homem capaz de gerar qualquer imagem que imaginar com tal fidelidade que pode se confudir com a realidade. Conforme a história progride, nós e Case, enquanto viajamos de Night City, passando pela Megalópole Sprawl, Istambul e chegando finalmente a Villa Straylight na órbita da Terra, ao mesmo tempo que foge da Turing – a policia do Ciberespaço – finalmente descobrimos a verdadeira natureza do patrão de Case…
Embora sistemas inteligentes, super-redes de informação, invasão de sistemas, conspirações, mega-corporações, implantes cibernéticos, drogas, decadência e crime já existissem antes de “Neuromancer”, foi nesse livro que todos esses elementos se juntaram para formar uma visão do futuro e uma alternativa para a armadilha da “Space Opera” em que a Ficção Cientifica estava presa…
Escritores como William Gibson e Bruce Sterling perceberam que a verdadeira revolução que a Ciência estava causando não estava na exploração espacial e colonização de outros planetas como pelo menos 80% das historias de FC da época, e sim na computação e telecomunicações, na possibilidade de união de toda a informação humana atraves dos sistemas eletrônicos em uma escala nunca vista antes. Ao mesmo tempo, percebiam o controle cada vez maior que as grandes empresas tinham na vida das pessoas – muitas vezes, mais poderosas que governos inteiros. Ao ponto que seus crimes nem eram verificados. É dessa realidade – desenvolvimento desenfreado da tecnologia, controle corporativo titânico da economia e do fluxo de informações, que William Gibson criou o mundo de “Neuromancer”. E para esse mundo, o herói clássico não serve – seria morto ao primeiro passo. O protagonista de uma história num mundo assim teria que ser parte dele: matreiro, criminal, possivelmente usando drogas, talentoso com o ambiente do Ciberespaço… Alguém como Case.
Ao trocar o espaço sideral pelo ciberespaço e o heroi perfeito clássico pelo anti-herói drogado e criminal, William Gibson mudou a visão que a FC tinha de si mesma… E a que nós tinhamos dela.
Um livro de grande influência, essencial para todas as histórias cyberpunk que vieram depois, sejam livros ou filmes. E que mudou a nossa visão de onde a tecnologia de redes de computador pode nos levar…
(*) A edição brasileira deste livro se encontra esgotada, mas é possível encontra-la em sebos.
Jocimar Oliani
Cedido à Equipe REDERPG
Edição Analisada: GIBSON, W. Neuromancer.
Col. “Zenith”, v.5, São Paulo: Aleph, 1991(*)
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