Perdas e Ganhos – Lidando com as perdas de seus jogadores

Esse é o titulo original de um artigo escrito em 2003 e perdido… Ele encerrava minha série de artigos sobre Live-Action, e fornecia dicas aos narradores/mestres de Live de como lidar com as perdas dos jogadores, transformando-as em ganhos para o Live como um todo. Reescreve-lo, tantos anos depois, será uma tarefa hercúlea  que espero ter competência para realizar. Mas como tudo na vida, só saberei se eu tentar…

Live action é entretenimento, aprendizado e interação. Mas ninguém joga para fracassar nos seus plots ou perder seus personagens: essa é a grande verdade. Lives possuem uma dinâmica de interação diferente dos jogos de mesa. Nos jogos tradicionais de RPG, a rivalidade entre personagens de jogadores é inexistente ou irrelevante. Os jogadores se unem para cumprir um objetivo proposto pelo mestre do jogo, e a rivalidade é entre os personagens dos jogadores e os personagens do mestre: vilões e antagonistas que se interpõe entre os personagens e o objetivo final da campanha de RPG.

Num Live, a aliança entre jogadores (e seus personagens) também é imprescindível, mas os objetivos são individuais e, muitas vezes, antagônicos. Personagens de jogadores podem ser rivais em um Live Action de forma que pra que um cumpra o seu objetivo (o plot) o outro deverá fracassar, ou ao menos, não atingir plenamente o sucesso. Eventualmente, isso pode levar inclusive a perda de um personagem pelas mãos de outro. Lidar com isso é algo que demanda maturidade, experiência e aprendizado, e o narrador precisa, mais uma vez, ser o facilitador nesse processo.

O primeiro ponto que me vem à mente, e que acredito que não tenha sido tocado no artigo original, é o da maturidade. Mesmo na mesa, a faixa etária é uma questão importante. Embora RPG seja um jogo que possa ser jogado em quase qualquer idade, a própria temática e dinâmica do jogo reflete e é refletida pela faixa etária dos jogadores. Num Live, isso é ainda mais importante. Alguém muito jovem jogando com pessoas mais velhas pode gerar situações complicadas, tanto no assunto que estamos tratando, as perdas dos jogadores, como na própria dinâmica do jogo, tipo de interação, temática, decisões necessárias, etc. Ao organizar um Live Action, tenha em mente a faixa etária e a maturidade emocional dos jogadores participantes: é preciso que haja uma certa homogeneidade que não é excludente, mas um fator a ser considerado. Jogadores emocionalmente imaturos, se for necessário incluí-los no jogo, precisam de personagens do tipo “café-com-leite”, ou seja, que não façam parte da trama principal, não precisem se envolver em plots com maior teor dramático e que possam passar ao largo do live, agindo como coadjuvantes. Assim eles se divertem, não atrapalham o fluir do evento , aprendem assistindo os jogadores mais velhos e experientes e dificilmente terão que enfrentar grandes dilemas morais ou situações de perda em grande escala.

O mesmo pode valer para a experiência do jogador, independente da sua idade. Colocar como personagem central (ou mesmo secundário, mas “solto”, sem um sistema de apoio) um jogador com nenhuma experiência em live, RPG ou representação de modo geral, se os demais jogadores são experientes, é pedir para se aborrecer. O novato será “engolido” pelos demais jogadores, manipulado, passado para trás, e terá uma experiência provavelmente negativa no cômputo geral. Não é por maldade, mas por pura praticidade. Digamos que tenhamos um jogador X que é bastante experiente em Lives. Pra cumprir seu plot, X precisa obter um determinado item. Ele bola um plano para roubar o item do personagem que no momento o detém, mas se ele for pego, as conseqüências serão grandes. Ele pode escolher alguém e convencer a fazer o “trabalho sujo” por ele, e se há um personagem de um jogador novato com acesso ao item, andando sozinho Live afora, bom, esse personagem seria a escolha óbvia, principalmente se ele não tiver sido instruído por seus aliados sobre a natureza dos demais personagens, os riscos envolvidos, etc… Claro que é preciso dar ao novato chances de jogar e cometer seus próprios erros, mas é sempre bom coloca-lo cercado por algum sistema de apoio para que, se ele resolver fazer uma bobagem, o faça de forma consciente. Embora maduros o suficiente para plots mais emocionais, de intriga ou políticos, um jogador novato não deve ser “jogado aos leões” sem nenhuma assistência. Uma boa idéia é oferecer a esse jogador papeis de braço direito de personagens interpretados por jogadores mais experientes, que terão como uma de suas missões no live, serem uma espécie de tutor e guia para o novato; ou papeis cujo personagem tenha o mesmo nível de experiência do jogador  (um vampiro recém criado, um jovem recém saído da academia, um novo-rico em seu debut na sociedade, etc). Instrua o jogador de pouca experiência a fazer (ou representar) o personagem de forma simples, sem muitos segredos, sem tramas complicadas e sem ambições muito grandes. Alguns jogadores são meio megalomaníacos e querem jogar seu 1º Live como Cérebro, prontos a dominar o mundo em uma noite. Seja firme em sugerir que quando muito, eles joguem de Pink, auxiliar nos planos de dominação mundial, mas não arquitetos, eles mesmos, de planos mirabolantes. Em outras oportunidades, o jogador  poderá ir aumentando o nível de complexidade do seu personagem, mas nunca em seus primeiros Live-actions. Assim, ele pode vivenciar o Live e ao mesmo tempo, aprender ao interagir diretamente, mas como aliado, de um jogador com mais experiência, e seu personagem não terá escrito na testa: “Oi, eu sou um alvo”.

 

Crie uma rede de suporte para o jogador novato cercando-o de aliados representados por jogadores mais experientes (Live Cidade na Areia)

Meu primeiro live, criei um personagem razoavelmente complexo. Os mestres o complicaram ainda mais. Fui lançada no meio da fogueira e fiquei saltando lá dentro com mais segredos e plots do que eu era capaz de gerenciar (Já contei que um salto da sacada da varanda me pareceu uma boa saída em meu primeiro Live? Pois é… então… ). Bom, acho até que fiz um bom trabalho, mas meu personagem morreu cedo (na verdade, foi aposentado. Seu destino foi um mistério que usamos de plot nos Lives seguintes!). O evento não me foi traumático (pelo contrário, achei tudo divertidíssimo), mas poderia ter sido. Se não fossem outras atitudes louváveis dos meus mestres na época, eu poderia ter achado tudo aquilo uma grande perda de tempo, afinal, pra onde quer que eu me virasse meu personagem achava um inimigo mortal… Então não vale o risco: melhor começar simples e ir complicando depois, do que começar complicado e torcer para o jogador encarar as dificuldades numa boa.

Quanto ao aprendizado, bem, ele é contínuo. Não importa se é seu 1º ou 100º Live: lidar com perdas é uma questão de prática, não de jogos, mas de perdas… Um jogador de muitos anos de Live Action que nunca perdeu um personagem ou deixou de cumprir um plot, pode lidar de maneira tão desastrosa com a perda como um jogador de 1ª viagem. Perder é sempre complicado. Mas não precisa ser algo negativo se o mestre souber ser um verdadeiro facilitador do bom jogo. Mas como?

Para começar, lembre-se dos conselhos anteriores, e não permita o OFF. Perder um personagem para o OFF é uma das piores experiências possíveis (passei por isso também, e posso falar com propriedade!). Primeiro porque é frustrante pro jogador: ele montou um bom personagem, fez um ótimo roleplay, jogou com fair play e estava a um passo de cumprir seus plots e voalá: é derrubado numa rasteira épica por um OFF que circulou no jogo.  Isso desanima qualquer um, e muitas vezes, faz com que jogadores abandonem o jogo e Live Actions de um modo geral. Depois, porque é pouco educativo. Se o mestre permite o OFF, e o OFF ganha o jogo, pra que jogar com fair play? Dá mais trabalho e menos resultado, pensará o jogador. E ele passará a jogar em OFF também. E lá se vai seu Live por água a abaixo.

Quando for impossível deter o OFF (Leia: você o descobriu tarde demais, e foi um daqueles OFFs que começam fora do jogo mas viram jogo no meio do caminho, ou seja, não dá pra dizer “não valeu” porque alguns dos envolvidos estão jogando totalmente em ON), seja franco com seu jogador. Ele não é (ou não deveria ser, se está em um plot que pode levar a perda do personagem) criança e não vai querer ser tratado com nada menos que a verdade. Não precisa (nem deve) expor segredos alheios pra explicar a situação, mas diga onde foi ON, onde você acredita ter sido OFF, porque você não pode deter a situação, etc. Assim, o jogador vai saber até onde a perda foi erro dele, e até onde foi erro dos outros. Vai poder aprender com o acontecido, aprender em quem poderá confiar em Lives futuros, e você, ao lhe contar a verdade, estará com certeza na lista dos confiáveis.

Entretanto, às vezes as perdas são legítimas… O jogador cometeu um erro e teve o segredo do seu personagem descoberto. Ou alguém, em ON, jogou melhor e apesar de todas as precauções tomadas, desmascarou o personagem em questão. Ou ainda,  o personagem foi usado como bode expiatório em um jogo legítimo e totalmente condizente com a natureza do personagem que o incriminou. Acontece. Live-action é um excelente palco para jogos de intriga, e a perda do personagem é sempre um risco palpável. O mestre pode achar que por ter sido de forma legítima, o caso se encerra por aí… mas lembre-se sempre do seu papel de facilitador. Perder nunca é fácil ou agradável, e seu jogador merece saber o que houve, tenha sido o problema em ON ou em OFF. Novamente, não cabe a você, mesmo que o jogador não pretenda continuar jogando com outro personagem, revelar segredos de ninguém, mas uma explicação ainda que superficial de onde estavam as pontas soltas, como o personagem se colocou no caminho de outros personagens poderosos ou qual foi o erro que permitiu que o segredo fosse revelado, ou seja, a explicação do que exatamente aconteceu, faz maravilhas. É um aprendizado paro jogador, que irá entender melhor como as intrigas funcionam em um Live, deixando-o mais preparado para outros jogos no futuro. E jogadores mais bem preparados, significam Lives melhores, mais emocionantes, mais complexos …

Além disso, quando o Mestre dá uma satisfação ao jogador, mostra a ele que se importa, que estava prestando atenção no jogo em geral e na sua atuação em particular. Isso estimula os jogadores a serem cada vez melhores, interpretarem bem e serem justos no jogo.

Quando acontece uma perda, legitima ou não, seu papel de mestre do jogo é de longe o mais importante dos papeis e precisa ser bem desempenhado. Suas atitudes irão definir a qualidade do Live daquele momento em diante e a qualidade dos futuros Lives que você for mestrar. E é a hora onde o Fair Play deve ser regiamente recompensado, e o OFF punido.

Pra começar, saiba que sua atitude irá determinar o nível de OFF dali pra frente. Então se a perda de um personagem foi causada pelo OFF, ainda que no começo da bola de neve, lá longe, na intenção de um jogador (que tomou uma atitude não condizente com o personagem que gerou uma ação em on que gerou outra ação em on e assim por diante), nem sempre você poderá “parar a ação” e impedir a perda. Mas sempre poderá arrumar formas criativas de punir o OFF…  É uma das poucas horas que é justificável puxar da manga sua carta de “Deus ex-machina”: o poder supremo no live… NPCs podem surgir do nada e cobrar do jogador que usou off uma explicação para sua atitude,  planos podem dar errado aplicando puramente a lei de Murph, e por aí vai. Seja criativo, mas deixe claro que atitudes em OFF sempre geram conseqüências desagradáveis, e mesmo que o objetivo pareça estar sendo alcançado, no fim, o feitiço sempre se volta contra o feiticeiro… Chame de justiça divina, de acaso, de azar… não importa. Mas nunca permita que uma atitude em OFF leve a melhor no fim da história.  Assim, os jogadores irão pensar duas vezes antes de jogar sem ser 100% dentro de seus personagens, mesmo que sem querer.

E lembre-se sempre de premiar o Fair Play. Isso é algo que o Mestre não precisa esperar que haja uma perda para fazer, mas quando há, é ainda mais importante. Não basta brecar ações em OFF se esse for o caso, ou usar a carta da justiça divina, ou do mestre, para fazer um plano OFF fracassar no fim do Live: seus jogadores precisam de feedback positivo.

Um jogador que teve seu plot impossibilitado ou perdeu seu personagem, e nesse caso não importa a causa, mas que jogou com Fair Play, interpretando competentemente seu personagem mesmo que isso o colocasse em risco, merece ser premiado. Isso pode ser feito em jogo, com NPCs que, novamente, surgem do nada, mas dessa vez para oferecer vantagens ao personagem. Não é protecionismo. Você não está criando uma salvação para um jogador que não soube como jogar ou inviabilizando planos mirabolantes de jogadores mais competentes. Você está apenas premiando o bom jogo, oferecendo uma saída extra, uma nova possibilidade, mostrando que quando mais em ON estiver o jogador, mas vantagens ele vai ter.

Agora, caso  o pior ( a perda do personagem) já tenha acontecido, premie o jogador em si. Como? Elogie seu desempenho, faça com que NPCs o lembrem em jogo, elogiando o personagem que se foi e revelando o quão importante ele era para a trama, e quando surgir a oportunidade, convide o jogador para fazer um novo personagem  (nunca um parente do personagem anterior buscando vingança…. é a pior bobagem que um mestre pode permitir! O novo personagem precisa ser o mais distante possível do personagem anterior!) ou melhor ainda, pra interpretar um NPC em participação especial ou ajudar como mestre auxiliar em novos Lives. Jogadores se sentem prestigiados quando seus nomes são lembrados e cogitados para papeis de maior responsabilidade, mostrando que apesar da perda, o seu bom jogo foi reconhecido. Isso irá estimular o prazer de representar o personagem acima do prazer de “ganhar o jogo” ao simplesmente cumprir plots.

Talvez minha paixão por Lives tenha nascido aí. Quando a situação pra meu primeiro personagem se tornou realmente insustentável, meus narradores foram excelentes facilitadores. Os dias do personagem estavam contados, era fato, mas me foram dadas inúmeras oportunidades para escolher COMO isso iria acontecer, e fazer diferença na trama antes de aposentar o personagem. Já fora da trama principal (era um Live contínuo), me possibilitaram diversos jogos de mesa, para que eu pudesse dar um bom desfecho na história que eu havia criado. O que podia, me foi revelado (mais tarde, como virei Mestre desse Live também, todo o resto foi desvelado e fez todo o sentido do mundo) e assim a trajetória do personagem foi justificada.  E pouco depois disso, lá estava eu aprendendo como mestrar um Live sob a tutela deles, interpretando NPCs importantes para a trama e por fim, criando junto com eles NPCs e plots para a seqüência do jogo. Isso me ensinou que o mais divertido no Live era a construção do personagem, a interação em si, o representar a “sério” a natureza do meu personagem, como jogadora ou como Mestre, ajudando a contar uma história que tomava forma conforme íamos a representando. E foi essa a idéia que tentei passar para os jogadores para os quais mestrei dali em diante e também nessa série de artigos.

Live Action deve ser sinonimo de divertimento, e feedback positivo aos seus jogadores ajuda a conquistar isso! (Live 7th sea)

 

Nem todos os jogadores tem o perfil (ou o interesse) de se tornarem narradores, mas todos os jogadores podem se beneficiar do feedback positivo, do incentivo e do reconhecimento do seu Fair Play por parte dos Mestres do jogo. E tornando isso uma prática constante, esses jogadores estarão continuamente voltando a querer jogar os Lives que você organizar, e a cada vez com personagens mais interessantes e interpretações mais memoráveis!

Sendo firme contra o OFF, sincero com seus jogadores (inclusive nas suas limitações como Mestre) e prestigiando sempre o bom jogo, muito rapidamente toda perda de um jogador se reverterá em ganho: para o próprio jogador, para o Mestre e para o Live.

Adriana Almeida
Equipe REDERPG

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Written by Adriana Almeida
Fazendo curso intensivo para vir borboleta na próxima geração. Longa história...

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