Em tempos de Game of Thones, uma outra série de romances está disponível em português que todo jogador de RPG deveria ler – além de O Senhor dos Anéis, é claro. A trilogia de Crônicas de Artur, de Bernard Cornwell, recria o mito do Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda sob um ponto de vista realista e histórico. A resenha a seguir do primeiro volume da trilogia, O Rei do Inverno, foi escrita por Daniel Braga e originalmente publicada no antigo portal em 9 de maio de 2003 (1572 leituras). Confiram:
O Rei do Inverno
Você consegue imaginar uma história sobre o Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola redonda sem a pompa romântica dos poetas medievais, os versos rebuscados, o exagero cristão e as figura feminina como representação do mal? Fácil né? Afinal, se você não leu, deve ter ouvido falar de Brumas de Avalon… Agora esqueça os altos castelos de pedra com torres, esqueça as armaduras de placas de ferro, a lança medieval, esqueça o código de cavalaria, esqueça até os cavaleiros. Esqueça o ambiente romântico dos séculos 13 e 14. Está ficando bem difícil, não é? Agora esqueça a Távola Redonda! Complicou, não foi? Veja agora o Rei Arthur como um inimigo do deus cristão, como inimigo do povo que serão os ingleses descendem? Agora tente isso: Esqueça que Arthur era Rei! Ai você pergunta, o que sobra no lugar?
A resposta é o best-seller O Rei do Inverno. Neste romance, escrito por Bernard Cornwell, um historiador estudioso de batalhas antigas, tenta se aproximar ao máximo da origem britânica da lenda de Arthur. Se existiu um Arthur, o que é muito provável, mas nunca será confirmado, ele teria existido durante o início da Idade das Trevas, por volta do fim do século V, na supersticiosa e violenta Grã-Bretanha, assolada por invasões dos povos vizinhos, como os Pictos, Celtas Irlandeses, Francos, Anglos e, em especial, os Saxões (que bem mais tarde, após tomarem o país, iriam batizá-lo em Inglaterra, terra dos anglos). Um país com disputas internas, e diversas religiões, mácula deixada pela retirada de seu colonizador, os romanos, que partiram deixando apenas as ruínas de suas construções e um pouco da sua tecnologia. Arthur teria sido um famoso líder de batalhas, que teria reunido os reis da Britânia e contido a invasão saxônica, a qual só seria bem-sucedida duzentos anos depois. Para financiar suas batalhas este general teria revogado a isenção de impostos a igreja cristã, e esta ordem teria lhe pintado como verdadeiro inimigo pagão de Jesus. Sabe-se que Arthur teria casado duas vezes e sofrido uma traição por parentes que teria lhe levado à morte. Duzentos anos mais tarde, com a glória da igreja católica, a figura de Arthur é cristianizada e coroada como o rei que nunca foi.
Cornwell é bem fiel a esse ambiente no romance, mas não deixa de enfeita-lo para que posso chegar a similaridade com os textos clássicos. Descreve a partir do pouco que se sabe o ambiente caótico de guerras, onde os guerreiros (e não cavaleiros) marchavam em suas armaduras antigas, mais parecidas com as deixadas pela invasão romana. Os guerreiros celtas sentavam em círculos em batalhas, e não em mesas redondas e o cálice sagrado é oriundo dos caldeirões perdidos das lendas pagãs.
O Livro é narrado pelo Monge Derfel, antigo guerreiro de Arthur que é apresentado herói de batalhas, filho bastardo de Uther Pendragon, Grande Rei da Britânia, que está morrendo e recentemente perdera seu herdeiro Mordred, entregando sua coroa ao neto. Uther culpa o bastardo pela morte de seu filho legitimo, renegando a paternidade e nobreza de Arthur. Após a morte do pai e a ausência do principal conselheiro de Pendragon, o Druida Merlin, Arthur jura proteger o novo Grande Rei bebê, lutando com possíveis usurpadores do trono. Arthur é um visionário, que sonha em reunir o país contra os invasores saxões e assim estabelecer a paz.
Personagens como Merlin, Morgana e Nimue, muito anteriores à lenda, são adaptados como os últimos sacerdotes da antiga religião, que se valem de sua sabedoria milenar e supertição do povo, usando sua “magia”, truques, ciências e espertezas. As inserções tardias, como Guenevere, Lancelot, Camelot, Excalibur são revisadas e adaptadas para se encaixarem à trama, e provocarem menos assombro aos puristas. Suas narrativas aproximadas da realidade das batalhas desta época são fenomenais e muito bem conduzidas, sempre trazendo momentos surpreendentes em todos seus capítulos. Seguindo a tendência de Trilogias, o autor faz de O Rei do Inverno e suas continuações O Inimigo de Deus (já em português, também pela Editora Record) e the Holy Grail a ambientação realista definitiva para as lendas arturianas.
Por Daniel Braga
Ator e jogador/mestre de RPG.
Um dos criadores do Brasil by Night
***
Patesi
Bacana a crítica, já que por ter lido O Arqueiro e os subsequentes da trilogia, fiquei interessado nesta.