Física & HQs (I)

Em 2005/2006, Francisco de Assis Nascimento Júnior nos brindou com uma série de artigos geniais, relacionando RPG e Física. O texto a seguir marca a volta dos textos do Francisco, dessa vez saídos diretamente do seu igualmente genial blog Física Pop.  Embora algumas informações do texto abaixo estejam presentes na série Física no RPG ( I e II) esta versão é mais completa e mais direcionada ao universo das HQs.  Divirtam-se, e aprendam!

Corre Cotia na casa da tia: o herói mais poderoso da DC Comics!

Segurem o fôlego e amarrem bem os cadarços porque hoje nosso blog tentará acompanhar o pique do velocista mais famoso das Histórias em Quadrinhos!

Com seu nome gentilmente traduzido para “Relâmpago” no antigo desenho dos Superamigos, o Flash ( e não “o the flash” como muita gente gosta de falar) sempre teve cadeira cativa no panteão dos heróis mais poderosos da DC e todas as suas encarnações ( Jay Garrick (1940-1956), Barry Allen (1956-1986), Wally West (1986-2006, 2007-) e Bart Allen (2006-2007) integraram  a Liga da Justiça em algum momento, ou a superequipe correspondente em sua realidade/época/uorévers.

A popularidade do herói se deve a semelhança com o deus Hermes (ou Mercúrio, dependendo do referencial) e se mover a velocidades inimagináveis ao homem comum. Claro que ele é “apenas” superveloz – nada do kit completo do super-herói básico como voar ou superforça, mas sua popularidade já lhe rendeu não apenas a participação em desenhos animados e revistas em quadrinhos.

Velocidade do som na telinha: John Wesley Shipp no papel de Barry Allen

O seriado televisivo The Flash foi um enorme sucesso na década de 1990 (sim, eu estive lá). Estrelado por John Wesley Shipp no papel do velocista escarlate capaz de alcançar a velocidade do som, todos os 21 episódios (mais o piloto da série) estão disponíveis em DVD e valem muito a pena.

Ok, mas a pergunta é “por que o Flash do seriado podia se mover somente a velocidade do som (340 m/s) enquanto os heróis dos quadrinhos podem ultrapassar frequentemente a velocidade da luz (300.000.000 m/s)?

Bem, isso se deve principalmente a fortes restrições orçamentárias da época, mas o que quero discutir aqui são as implicações de algo se mover duas ou três vezes mais rápido que a velocidade da luz e para isso é preciso dar uma olhadinha no que  Einstein disse em seu artigo sobre a Relatividade Restrita (ou Relatividade Especial, tanto faz).

Pegar legal o significado do que vou dizer é bem fácil se você já tiver visto um jogo de basquete uma vez na vida…

Espaço e tempo ou Espaço-Tempo?

Faça agora a seguinte experiência: bata duas vezes na mesa, no mesmo local. Pronto? Bem, infelizmente você não conseguiu: porque a mesa não estava mais no mesmo lugar em que estava no instante em que você bateu a primeira vez: lembre-se de que a Terra gira ao redor de seu eixo, gira em torno do sol, nosso sistema solar se move dentro da nossa galáxia, que está se movendo dentro do universo, que está em expansão. Percebeu a jogada?

Não existe repouso absoluto, porque tudo está em movimento no decorrer do tempo. E tempo/espaço são uma coisa só! Se você ainda achou difícil entender isso, pense assim: uma praia fica a 60 km de sua casa (essa é uma medida de distância, ou seja, espaço). Você pode dizer que mora a 60 km da praia, mas se tiver um carro capaz de fazer 60km em uma hora, em velocidade constante, também pode dizer que mora a 1 hora da praia (que é uma medida de tempo!).

Pois bem, em escalas maiores também dá na mesma, desde que se use como unidade de medida uma velocidade constante – no caso, a da luz: 300 mil km em um segundo… essa foi a explicação que Einstein encontrou como resposta a vários problemas (um dos quais você conhecerá a seguir)! E veja como é facinho de entender: você é capaz de se mover no espaço, mas não se mover no tempo? Nunca tentou? Então, experimente dar um passo para o lado, sem que o ponteiro de segundos do seu relógio se mova. Não conseguiu? Pois é, tento isso desde pequeno e também nunca consegui, relaxe – você não está sozinho nessa.

Ótimo, agora que você já entendeu que espaço-tempo é uma coisa só e que não existe repouso absoluto (porque tudo continua se movendo no tempo), vamos ver se sua imaginação é mesmo tão boa quanto você imagina (sei que isso foi um pleonasmo, mas tudo bem, afinal o texto é sobre física).
Imagine um atleta quicando uma bola de basquete no meio da quadra.

O atleta está parado e a bola quica entre sua mão e o chão da quadra em linha reta, certo? 
Você está olhando da arquibancada e lá está o atleta, parado, quicando a bola num sobe-e-desce em linha reta, igualzinho na figura1…certo? Você é o observador nº 1. O atleta será o observador nº 2 e para ele a bola de basquete também sobe-e-desce em linha reta, como na figura 1. Tudo bem até aqui?

Então, o atleta começa a correr quicando a bola: para ele, a bola continua o sobe-e-desce em linha reta (figura1), mas para você não: você olha e vê a bola subindo e descendo em zigue e zague acompanhando o atleta, como na figura 2, não é mesmo? Eu sei que esse é um exemplo bobo e bem óbvio, mas acredito que seja a maneira mais fácil de se entender o que acontece quando algo se move na velocidade da luz: vamos trocar agora a bola de basquete por um fóton (é, aquela particulazinha de luz!).

Preste muita atenção: se o atleta está parado no meio da quadra e começa a quicar o fóton no chão, o fóton irá fazer o movimento de sobe-e-desce da figura 1.
Você, que está sentado na arquibancada, olha para o atleta e vê o fóton fazendo o mesmo movimento. Agora, o atleta começa a correr pela quadra, quicando o fóton. Para melhorar o exemplo, vamos fazer com que o atleta agora passe a correr em uma velocidade muito, muito próxima a da luz: lá está nosso atleta, oficialmente conhecido como observador nº 2, correndo em uma velocidade muito próxima a da luz (depois eu explico por que ele não corre na velocidade da luz) e quicando o fóton (esse sim, se move na velocidade da luz, afinal…ele é uma partícula de luz).

Para ele, o fóton faz o movimento da figura 1 lá em cima, da mesma maneira que a bola de basquete. Só que você, o observador nº 2, vê o fóton fazendo o movimento igual ao da figura 2, da mesma maneira que a bola de basquete.

Bem, hora da morte cerebral: sinto muito, mas não tem outro jeito, hora de engrenar sua imaginação e acelera-la um pouquinho mais: se no referencial do observador 1 o fóton percorre um espaço maior quando se comporta de acordo com a figura 2, e faz isso na mesma quantidade de tempo que gasta para fazer o movimento da figura 1 no referencial do observador 2, isso te traz um problemão: como é possível que ele percorra distâncias diferentes em uma mesma unidade de tempo?

Lembre-se de que a velocidade da luz é constante, portanto o fóton não pode ter acelerado (como a bola de basquete)! Como você explica essa situação?

Como diria Jack, vamos por partes: velocidade é o quanto algo percorre (distância) em um certo tempo (V=S/t, como você aprende na escola). Portanto, se a velocidade é constante (não muda), algo tem que mudar para que a igualdade seja válida: ou o espaço, ou o tempo. Se o tempo for maior, o espaço deve ser menor e vice-versa – porque no caso do jogador quicando o fóton, o resultado da conta já está lá, é a velocidade da luz.

Entendeu? De acordo com Einstein, o que acontece é o seguinte: para o atleta que está se movendo a uma velocidade próxima a da luz, o tempo está passando mais devagar do que para você.
Em compensação, no seu referencial, o que parece menor é o espaço: por isso que você vê o fóton percorrer um espaço maior!

Agora você deve estar pensando “O quêêê?” , porque se no seu referencial o espaço é menor, o que é que o atleta enxerga quando olha pra você? Bem, trata-se da resposta definitiva para qualquer regime de peso: o atleta te vê comprimido, magrinho, magrinho, como se a sua largura fosse quase como a espessura de uma folha de papel sulfite.

Esses são os chamados efeitos relativísticos do movimento e tudo que se mover em uma velocidade próxima a da luz está sujeito a eles. Inclusive o Flash, que deveria ver o mundo enquanto corre como uma aparentemente infinita sequencia de pauzinhos finissíssimos. Mas por que no exemplo eu disse “velocidade próxima a da luz” e não “velocidade da luz”?

Bem, digamos que os fótons descobriram a fonte da eterna juventude: eles nascem e morrem com a mesma velocidade…onde o tempo literalmente não passa!
Ou seja: se o atleta se movesse na velocidade da luz, o tempo não passaria para ele, entendeu? Isso porque a velocidade da luz (c) é a velocidade limite no nosso universo, nada se move mais rápido que ela. Portanto, Wally West teria para sempre a mesma idade que tinha ao receber seus poderes, sendo um eterno aborrescente.

De fato, dado a frequencia com que todos os velocistas alcançam a velocidade da luz em suas aventuras, nenhum deles jamais envelheceria aos nossos olhos: fato-flash!

Enquanto isso no universo real, é fácil entender por que é impossivel que algo se mova mais rápido do que a luz, através de um simples exercício mental: imagine uma máquina ou dispositivo capaz de funcionar mais rápido que a velocidade da luz. Algo do tipo “o dobro da velocidade da luz”.

Pronto?

Agora, imagine que esse dispositivo, ao receber uma pergunta qualquer, emite a resposta automaticamente, nessa mesma velocidade mais rápida que a da luz. Então, imagine-se agora a uma certa distância dessa máquina. Você envia uma pergunta para ela, mas faz isso em um meio que se propague na mesma velocidade da luz.

Sabe o que vai acontecer? Você irá receber a resposta, antes mesmo de ter feito a pergunta! Porque se a máquina funciona mais rápido que a velocidade da luz, então ela recebe a pergunta enviada por você e manda a resposta com uma velocidade superior (à velocidade da pergunta), mas viajar em uma velocidade qualquer, significa percorrer um determinado espaço em uma quantidade de tempo qualquer, correto?

Então, viajar ao dobro da velocidade da luz significa percorrer o mesmo espaço na metade do tempo que a luz levaria para percorre-lo: a resposta viaja de volta a uma velocidade que lhe permite ultrapassar a pergunta no caminho da vinda, ou seja, você recebe a resposta antes mesmo de fazer a pergunta.

Espero que depois dessa rápida (e espero eu, não-tão-chata) “aula” sobre relatividade as aventuras do Flash possam ser lidas com outros olhos por vocês e não no sentido de “nada disso aconteceria de verdade” porque qualquer um é capaz de dizer isso sem saber praticamente nada do que expliquei ali em cima. A graça do negócio é ler e se perguntar “como isso seria possível” já que a condição básica para a diversão nas histórias do Flash é aceitar (em uma espécie de “o que aconteceria se..?”) a existência dos seus poderes.
Ok, então ele consegue alcançar velocidades relativísticas… mas como fica o atrito com o vento? Que marca de tênis ele usa (me parecem ser bem resistentes!)?

Como ele consegue ouvir as conversas enquanto se move milhares de vezes mais rápido que o som e o mais importante: O quanto ele precisa comer para ter todo esse pique?

São perguntas assim que fazem do Flash um dos super-heróis  favoritos de muitos cientistas e estudantes de ciências – inclusive o ilustre Sheldon Cooper, do seriado The Big Bang Theory…

Bazinga!

Por Francisco de Assis Nascimento Júnior
Este texto foi publicado originalmente  no impulsohq.
Publicado anteriormente no blog Física Pop
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Não percam na semana que vem:
Os dilemas do Flash continuam…

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