Arquivo REDERPG: Castelo Falkenstein

Fechando nossa leva recente de artigos relacionados ao gênero steampunk, nada mais evidente do que trazer para o novo portal uma resenha do antigo sobre o mais famoso RPG steampunk, e um dos melhores RPGs de todos os tempos: Castelo Falkenstein (Castle Falkenstein). Ela foi escrita por Luiz Felipe Vasques, membro de nossa Equipe, e foi publicada em 30 de junho de 2007.

 


 

Castelo Falkenstein – O Livro Básico

Publicado originalmente em 30/06/2007  (5106 leituras)
Castle Falkenstein – High Adventure in the Steam Age

Como eu posso falar de Castelo Falkenstein?

Bem, em primeiro eu poderia lembrar o período quando Castelo Falkenstein (CF) foi publicado: foi logo após a White Wolf firmar-se no mercado com seus incríveis e inovadores RPGs, que mudaram o campo para sempre, através de jogos fortes em background e interpretação, e ainda libertando da culpa todos os preguiçosos de regra existentes ao redor do mundo (e ressaltando também a Verdadeira Importância que temos nós, designers gráficos).

Era algo tão incrível que todo mundo, ao lançar seus próprios RPGs, começou a copiar os jogos da WW, resultando em uma nova era de ouro para o hobby. Porém, não somente em projeto gráfico ou ressaltando a importância de se contar uma boa história (e os meios como fazê-lo), mas também no tom: os RPGs passaram a ter um ponto de vista cínico, amargo, pessimista, sobre o quanto o mundo podia ser fatalista e sem esperança. Tudo estava submerso em tons negros e sombrios. E então…

O ano era 1994; e o lugar, o mundo gótico-punk. E Castelo Falkenstein surgiu como um farol de luz e esperança do meio das trevas. Trazendo uma opção para cada jogador já cansado de anos lutando por causas que eram perdidas desde o início, alguém na R. Talsorian Games teve uma idéia brilhante: a de que conceitos como Esperança, Justiça e Fazer o Que é Certo poderiam ser conceitos populares, podendo até mesmo vender, mesmo em um momento que o exato oposto é o que fazia sucesso – como já bem sabia a firma criadora de Cyberpunk 2020.

Ambientação e Possibilidades

CF é ambientado no continente europeu de um universo alternativo, que no momento passa por sua Revolução Industrial, sendo 1870 o ano-base do jogo. Mas, neste universo, as coisas se saíram bastante diferentes do nosso próprio mundo.

Este não é apenas um mundo de carvão e ferro, mas também de magia e fantasia, onde ficção e História vivem lado a lado. Temos a Revolução Industrial – mas também temos Anões levando-a a grandes extremos de inventividade. Temos as novas ciências surgindo e decolando – ao lado da magia entendida e estudada. Temos personalidades famosas, tendo elas existido ou não: convivem tanto Arthur Conan Doyle como Sherlock Holmes, Júlio Verne (aliás, Ministro da Ciência Julio Verne, do gabinete de Napoleão III da França) como o Capitão Nemo, Bram Stoker assim como Drácula, e por ai vai.

E a fantasia em CF vai além: você encontrará (e criará como pcs) Fadas, Anões e até mesmo Dragões. Isto é um outro bom aspecto que eu encontrei nesse jogo: fadas são mais inspiradas das fontes folclóricas européias do que alguma enésima regurgitação a partir da digestão de Tolkien sobre o mesmo assunto.

E, é claro, Magia Mecânica, que essencialmente é a ‘tecnomagia’ deste mundo. É graças a esta técnica (cuja teoria é investigada desde Leonardo da Vinci, aliás explorado em um módulo sobre o assunto) que a vitoriosa e impressionante Aeromarinha Real da Bavária surgiu e conseguiu derrotar as forças aparentemente invencíveis da Prússia, sob o comando de um Otto von Bismarck faminto pelo poder.

Uma coisa boa desta “Era White Wolf” de RPGs é que ela leva a estimular o hábito de leitura entre os jogadores, ou assim penso. CF é bem calcado sobre literatura vitoriana (do romance gótico ao folhetim) e o estilo de vida europeu do Século XIX – o alto estilo de vida, pelo menos. O estilo dos cavalheiros, do soldado patriótico, das doces e inocentes donzelas, grandes bailes na presença do Rei. E, ainda, os valores e virtudes almejados da sociedade vitoriana são esperados serem refletidos nos personagens-jogadores; estamos falando Heróis e Heroínas, com H maiúsculo. Nada de personagens “espertos” que não se comprometem com nada ou ninguém, ou usam expediência no lugar de honra. Mais do que tudo, CF é um RPG cuja grande meta é lutar por O Que É Certo e trazer Justiça ao mundo. Algo chamando pelo melhor que existe em nós todos, mesmo se de uma forma imaginária. É uma boa sensação, mas é uma questão de gosto, claro.

O personagem que se pode criar neste jogo acaba sendo bem de acordo com os tempos vitorianos, fora as licenças que a ambientação toma: por exemplo, em minha antiga roda eu tive um Ladrão de Casaca (no melhor estilo Arséne Lupin), um Explorador, um bravo espadachim a serviço de Sua Majestade, um cientista com a fórmula (permanente) da invisibilidade – assim como um Lorde Fada, uma jovem señorita espanhola que era o cão com o sabre e um mago Illumminati. Da única vez que joguei, meu personagem era um Lorde Dragão (também conhecidos como Pterodraconis s., no jogo).

E como se joga isso? Ao seu gosto: podemos pensar em campanhas indo explorar alguma terra que o Tempo esqueceu, cheia de perigos pré-históricos. Podemos pensar em intrigas palacianas e espionagem entre as grandes nações, em cartadas (às vezes, literalmente) decisivas pelo destino do continente. Ou talvez ajudar um grande romance a se concretizar, ou tentar evitar que ele acabe em autêntica tragédia. Procurar deter algum malfeitor a bordo de sua grande máquina aérea, antes que ele bombardeie Paris ou alguma outra grande cidade. Mestrando e jogando, eu me deparei com perseguições pelos telhados de Paris, personagens lutando pela vida enquanto pendurados pela corda de um zepelin de piratas aéreos sobre o alto mar, castelos inteiros transformados em Ferro Frio (para o horror das Fadas maléficas presentes), espadas sendo cruzadas com um mestre espadachim Fada por honra e dever… e tantas outras cenas divertidas e memoráveis, que eu amaria ver em um filme.

O Sistema

CF tem um sistema bastante simples e – por que não? – carismático. Não é um sistema tradicional, uma vez que não se usam dados, mas cartas de baralho comum, do tipo que sua mãe e tias usam para jogar buraco (por que? Porque apenas a escória joga dados! Cavalheiros sempre jogam cartas!). O sistema segue a lógica, para realizar testes com perícias, de atributo + dados vs. número-alvo. Mas, o invés de dados, é com um valor dado às cartas. As numeradas contam com seu próprio valor, de 2 a 10, e se conta 11 para Valetes, 12 para Damas, 13 para Reis, 14 para Ases e 15 para Curingas. Você adiciona o valor da carta ao valor de um atributo (qualificados como Pobre, Mediano, Bom, Ótimo, Excelente e Extraordinário, todos com um valor de 2 a 12).

Os naipes têm seus próprios significados, e você deve usar cartas com o naipe adequado à situação para ter o valor total da carta, ou apenas você somará +1 ao seu atributo: Copas são para ações e perícias envolvendo romantismo, Paus para proezas físicas, Ouros para tarefas mentais e intelectuais e Espadas para situações sociais e baseadas em status.

Ou seja, você tem que tirar a carta não somente do valor certo, mas também do naipe adequado (à exceção dos Curingas, que contam como 15 em qualquer ocasião). De acordo com o resultado, por quão bem você acerta ou quão péssimo você erra, cabe ao GM – aqui chamado Anfitrião – fornecer penalidades ou bônus adequados, em termos de descrição – tarefa constantemente a ele encorajada. Por exemplo, sabem dessas cenas eletrizantes de capa-e-espada que em filmes como Piratas do Caribe? Estritamente falando, nos meus jogos as coisas dificilmente duram mais do que quatro ou cinco “rounds”.

Por sua vez, toda a dificuldade também tem uma “rolagem” oposta, em que o Anfitrião tira cartas para, se o naipe for adequado, somar seu valor a este índice. Ambos os lados do screen contam também com uma ‘mão’ de até cinco cartas, distribuídas no início da sessão de jogo. Quantas cartas se gasta por vez e com que velocidade se renova uma mão é alvo de muita discussão.

Quando Mike Pondsmith esteve aqui no Brasil, anos atrás, para o lançamento do “Castelo Falkenstein”, ele me disse que não havia um jeito único de se resolver a questão, indo de acordo com o estilo da sessão de jogo: para sessões com bastante ação e combate, seria bom deixar que se renovasse as cartas cada vez que fossem gastas, sem limite de quantas cartas gastas por ação. Para jogos mais comedidos, ou simplesmente mais tensos, deve-se permitir a renovação somente quando a última carta fosse descartada, e somente uma carta de cada vez. Um GM que tive, pragmático, resolveu permitir apenas depois que a última carta se fosse, mas a nova mão viria sempre com uma carta a menos.

Uma mecânica similar vem no sistema de magia, com os naipes de acordo com magias envolvendo o mundo físico, o espiritual, etc., com uma mão à parte. Não achei muito intuitivo no começo entender o sistema, mas com o tempo eu me acostumei.

CF vem com um livro básico, muito bem feito, com um belíssimo projeto gráfico, e não falo somente das ilustrações. Criativo, ele separou toda a ambientação das regras em duas partes, refletindo isto no livro: a parte contando a história que nos traz a ambientação é a cores e papel couché, enquanto que a sessão de regras fica em preto e branco e em outro tipo de papel. Um belo resultado.

As Referências

CF segue um gênero chamado Steampunk, que essencialmente é uma revisão das histórias de aventuras ambientadas no Século XIX, escritas por autores modernos. Posso citar A Lista dos 7, de Mark Frost; Os Portais de Anúbis, por Tim Powers; The Differencial Engine, por William Gibson (um dos pais do gênero cyberpunk); The Hollow Earth por Rudy Recker e Lord Kelvin’s Machine, por James P. Blaylock. Nos quadrinhos, Alan Moore (Mestre! Mestre!) nos deu A Liga dos Cavalheiros Extraordinários, que continha inúmeras referências às obras do período. Gerou um filme medíocre se comparado aos quadrinhos originais, mas que pode realmente divertir.

Em termos de RPG, além de CF podemos contar com Forgotten Futures (cancelado) e Space: 1889 (baseado em visões futuristas de exploração espacial de autores de época), GURPS Steampunk – lançado logo após de GURPS Castle Falkenstein – era o módulo para a 3ª. Edição deste jogo para acompanhar o gênero.

E, como muitos sabem, neste conto de fadas não há bem um final feliz: apesar de ser considerado como o favorito dentre muitos dentro da própria R. Talsorian, Castelo Falkenstein foi cancelado, por não ser um jogo lucrativo (alguns anos atrás, veio a possibilidade de relançá-lo em uma edição menor e mais barata, assim como um livro de Live-Action, mas nada disto foi adiante).

Definitivamente, não é para todos os gostos: estamos falando, afinal, de um jogo em um período histórico razoavelmente definido, assim como um certo compromisso com literatura de época; e de um sistema simples, que não abre muito espaço para combos ou min-max, além da estranheza inicial que é jogá-lo com cartas — hum, eu citei que não tem fichas de personagens, mas páginas de diário descrevendo suas habilidades? Pois é.

E no Brasil?

No Brasil, os fãs costumam se reunir, que eu conheça, em comunidades virtuais. Anos atrás, Lúcio Nothlich tentou fazer um fanzine, mas até onde sei, morreu no primeiro número, o Império dos Trópicos, e hoje em sua antiga URL nem consta mais nada. Há a minha lista, parceira da RR, Castle Falkenstein Brasil, fora pelo menos duas comunidades no Orkut. Recentemente, o Projeto Brasil Falkenstein procurou fazer um Brasil representado no Grande Jogo, com comunidade de Orkut, lista e matéria aqui na RR, mas atualmente encontra-se em hiato.

Atualmente, a Devir também parou de imprimir a edição brasileira (que merecia mais cuidados…), infelizmente. Tem custado 45 reais, mas dá pra se encontrar por menos. Eu, obviamente, recomendo, se você não tiver acesso ao material original ou ainda não estiver com o inglês em conta.

Últimas palavras? É um tremendo jogo, por todas as razões descritas acima e ainda mais. Eu me tornei um feliz proprietário de um set completo dos módulos desta linha, apesar de nunca tê-los realmente aproveitados como GM; rodas de Castelo Falkenstein são raras de se criar e manter.

Notas (de 1 a 6):

Lay-Out/Arte: 6 – já vão 13 anos desde seu lançamento, e ainda acho a idéia de separar por partes coloridas e p&b a ambientação das regras uma grande sacada. Os fundos e beiras das páginas lembrando mármore podem ter ficado um pouco datados, mas dentro da concepção do que é o jogo, atende magnificamente bem. As ilustrações são evocativas e pegam bem o feeling geral (a pixelização da ilustração da p. 109 não estraga nem o clima, muito menos o livro)

Texto: 6 – apesar de ser uma era refinada, o tom do texto veio através das cartas um americano médio transportado magicamente para aquele mundo (Um Ianque Na Corte do Rei Artur, alguém?), o que obviamente facilita em tudo a compreensão do texto, bem humorado e que compartilha do senso de descoberta e maravilhar-se que o cenário pede – não, exige.

Conteúdo: 6 – é a coisa mais próxima que eu conheço de um conto de fadas transformado em ambientação e sistema de regras (mesmo considerando Changeling – o Sonhar).

Nota final: 6 – com louvor.

Jogo: Castle Falkenstein (sistema próprio)
Editora: R. Talsorian Games, 1994
Autor: Mike Pondsmith
Formato: 224 páginas, 128 em 4 cores e 96 em p&b, capa mole.
Preço de capa: — fui incapaz de encontrar o preço da minha edição, original americana.
Idioma: Inglês

Observação: como dito no texto, pode-se encontrar ainda a versão brasileira deste jogo por preços razoáveis, editado pela Devir.

Links verificados no dia da entrega da resenha à Rede RPG.

 

P.S. – Os Módulos de Castle Falkenstein:

Futuramente, falarei dos módulos, que provavelmente já levando em conta a baixa venda do livro principal, foram editados em duas cores. Nunca tendo saído no Brasil, pretendo que eles sejam alvos de futuras resenhas aqui na Rede RPG. São, portanto:

Comme Il Faut
Diversas informações úteis, que parece que ficaram de fora do livro básico. Mais sobre costumes da Nova Europa, um sistema alternativo de magia, novas habilidades, etc.

Steam Age
Aparelhos Diabólicos e Máquinas Infernais: as invenções do mundo da Nova Europa e arredores, desde o mecha gigante a vapor do mastermind japonês, Lord Tomino, a soldados de engrenagem, o submarino Nautilus, máquinas de realismo virtual, etc.

Six Guns & Sorcery
Módulo para a América do Norte falkensteiniana, com história de suas diversas nações (bem mais do que no nosso mundo), ocupações novas, magias e perícias.

The Book of Sigils
O ‘compêndio de magia’ para o sistema. Contado como o diário de um mago errante, encontrando diversas outras ordens místicas em suas aventuras ao redor do planeta. Mais feitiços.

The Memoirs of Auberon of Faerie
O módulo para o Belo Povo, nas palavras do próprio Senhor da Corte Seelie.

The Lost Notebooks of Leonardo da Vinci
As raízes da Magia Mecânica.

GURPS Castle Falkenstein
Eu tinha reservas, pessoalmente, à noção de CF sendo adaptado para GURPS. As resenhas lá fora não foram muito boas.

GURPS Castle Falkenstein – The Otoman Empire
O modulo do Império Otomano estava pronto para ser lançado, chegando a ser anunciado em lojas virtuais de então, quando veio a decisão de cancelar a linha. Foi lançado pelo GURPS (3ª. Edição), com o texto integral original, acrescido de textos historicamente acurados, quase uma marca registrada da Steve Jackson Games, e ainda: mantendo as regras originais de Castelo Falkenstein, tornando este módulo dual-stat, para a alegria dos fãs do sistema original.

Resenha por Luiz Felipe Vasques

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4 Comments
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