O termo fenômeno vem do grego phainestai e significa aparecer. Então, fenômeno é qualquer coisa da qual possamos ter consciência. Na linguagem coloquial, acabamos por adotar “fenômeno” como aquilo que se destaca, que é notável não por ser passível de ser notado, mas por se destacar entre os demais.
Entretanto, as coisas se destacam por diversos motivos e, mesmo que concordemos que se destacar é um mérito em si mesmo, o ato de destacar-se não denota uma qualidade intrínseca daquilo que se destacou.
Pra começar, porque se destacar é um golpe de sorte. Não estou desmerecendo o esforço envolvido no processo. Não é qualquer um ou qualquer coisa que se destaca e mantém seu status de fenômeno por mais que os 5 minutos de fama a que todos têm supostamente direito. Mas é um golpe de sorte. O movimento certo, no momento certo, para o público certo, na conjuntura certa. Você pode ter uma idéia “genial” e perder o trem da história por questão de instantes, e uma idéia menos genial pegar carona no momento e se tornar um fenômeno. Demanda também alguma coragem, dar a cara a tapa e ocupar um espaço não ocupado ainda. Mas não exige qualidade. Se eu surtar de acordo, aproveitar a chuva, tirar a roupa e ir dançar Lady Gaga nua no centro da minha minúscula e desocupada cidade depois de ter rolado na lama aqui da minha rua, vou virar um fenômeno instantâneo! E vão falar de mim por muitas e muitas gerações. Mas convenhamos, qualidade que é bom, não vai ter nenhuma!
E depois, porque a atribuição de uma qualidade é relativa e nunca absoluta. Algo possui qualidade segundo padrões pré-estabelecidos (por alguém, com alguma função, agenda, intenção), algo possui qualidade para um fim determinado, algo possui qualidade para um público específico, e por aí vai. Quando Nelson Rodrigues afirmou que TODA UNANIMIDADE É BURRA, ele não podia estar mais tecnicamente correto. Para agradar de forma unânime é preciso ser perfeito. A perfeição é um mito que inexiste e, por isso, é inalcançável (exceto se você acredita em um ser supremo que seria por definição perfeito e nesse caso, a perfeição em algo físico seria uma heresia e uma baita pretensão). Então, se todos idolatram X porque X é um fenômeno, em alguma parte do processo, esses “todos” foram enganados, emburrecidos, iludidos… Estão tentando vender perfeição num objeto de percepção que é imperfeito por pura definição, e burro foi você que comprou. Funcional talvez, agradável, ou útil, ou interessante para seu público alvo, mas nenhum fenômeno nunca é perfeito.
Em tempos de ditadura do pensamento, defende-se a pífia idéia de que certas coisas não se discutem. Religião, Futebol, Política, Fenômenos… O perfeito, comprovadamente perfeito, absolutamente perfeito, que a bem da verdade nem existe, não seria passível de discussão. Ele é e pronto, e é em si mesmo a perfeição. Se completa e se explica. Não há matéria de discussão no que não há de ser mudado por já ser perfeito. Todo o resto (na prática, absolutamente tudo), é assunto de discussão. E discutimos nem que seja com interlocutores invisíveis (nós mesmos), entre paredes, com amigos os quais confiamos… Mas somos hipócritas, e apregoamos publicamente coisas como: Se não posso falar bem, nem falo. Mentira. Quando o fã, autor, interessado, fenômeno em si, etc, vira as costas, apontamos os defeitos. Porque os defeitos estão lá, e gritam conosco, e nos incomodam porque estamos sempre comparando um objeto com outro, uma pessoa com outra, um fenômeno com outro. E em alguns vemos as qualidades, e em outros, simplesmente não.
Que a crítica então, seja construtiva. Mas o que é isso aí de crítica construtiva? Toda crítica é e nenhuma crítica é. A única crítica 100% construtiva é a de empurrar o autor pro lado e fazer você mesmo, ensinando-o como deve ser feito. Isso é pretensioso, narcisista, egocêntrico e muito indelicado. Mas, convenhamos, deveras construtivo (afinal, você vai construir o produto… ). E a única crítica 100% destrutiva é a que diz: “É uma porcaria, feio, chato, bobo e mau.” E que responde a pergunta “Mas por quê? ” Com o retardado “Porque sim.” Todo o resto é a zona cinza que fica no meio, onde ouvir crítica é desagradável, mas parte do processo de estar em evidência, de ser, no caso, um fenômeno.
E é, ou deveria ser, aos fãs, indiferente. Aos objetos alvo, deveriam ser um momento para refletir, absorver o que realmente é defeito e pode ser melhorado, ignorar o que não lhes convém, e seguir a partir dali cientes de que não são uma unanimidade. Mas aos fãs, deveria ser, repito eu, indiferente. Afinal, eles gostam, apesar dos defeitos, e eventualmente, por causa dos supostos defeitos que o outro apontou.
É por isso que essa mentalidade de fanboy me é totalmente alienígena. Se eu gosto de bananas e alguém mete o malho na pobre da banana, não importa o quão agressivamente, não há nenhuma alteração no meu paladar que vá me fazer desgostar da banana… Eu posso contra-argumentar que ela é rica em potássio, docinha, e vai muito bem com sorvete de chocolate, mas fora isso, eu gosto, você não. Pronto. Acabou a polêmica. Que polêmica? Pois é…
Se a bananeira falasse, aí sim, ela poderia tentar se justificar porque fez a banana exatamente como ela é, eventualmente aprender com a crítica e melhorar ainda mais o produto, e continuar produzindo bananas… Mas bananeiras não falam, então deixa esse exemplo de lado!
Mas o fato é que o fã não precisa trollar para defender o seu fenômeno de estimação. Ou gosta, ou não gosta. Ok, tem o “finge que gosta pra melhor passar” no meio, porque tem gente que é assim, fala mal pra uns e bem pra outros, de uma mesma coisa, e no fim fica lá em cima do muro, mas ignoremos esse caso. Se não gosta, é extremamente aceitável expor sua opinião e explicar PORQUE não gosta. Onde estão os defeitos que lhe incomodam. Onde está o problema do produto. Para quem gosta, cabe responder, na mesma moeda, explicando porque gosta apesar daqueles defeitos, ou porque aquelas características apontadas não são, no seu ponto de vista, defeitos. É simples. Democrático. Construtivo (se não pro produto, para a sua linha de raciocínio). E virtualmente indolor.
Mas se estamos falando de fenômenos, eles se escondem atrás dessa suposta conquista, como se fossem impossíveis de serem criticados. Mas vamos combinar. Justin Bieber é um fenômeno. E eu até ignoro a sua existência 99% do meu tempo. Mas se minha filha me obriga a ouvi-lo, me deu a brecha para soltar meu latim, e dizer que as músicas são extremamente bobas até pro público alvo dele, o sujeito não tem voz, só é bonito se você gosta de ‘menininhAs’ porque ele tem cara de uma, é enquanto pessoa no que se revela na mídia, um grosso deslumbrado e não, eu não vou ouvir Justin Bieber. E eu posso falar mal dele apesar dele ser um fenômeno. De ter surgido do nada. De ter sido o mais jovem desde Stevie Wonder a chegar no top 100 americano. Ter milhões e mais milhões de visualizações no youtube, myspace, seguidores no twitter, etc…
BBB é um fenômeno… E de novo, ignoro 99% do meu tempo. Mas se a minha timeline do twitter é invadida com informações não solicitadas sobre essa babaquice, e alguém vem me julgar esnobe por não assistir, me deu direito a abrir minha bocarra e soltar minha verborragia de como é uma experiência sociológica frustrada e orquestrada, como é pouco construtivo observar a suposta imbecilidade humana que nem é de fato genuína, como é vergonha alheia do começo ao fim assistir as pessoas se rebaixarem por publicidade, já que o prêmio é só pra um, e nada me tira da cabeça que já não é meio que conduzido para ser fulano e não beltrano, e por aí vai.
E de novo. Tormenta é um fenômeno. Nem chega aos pés dos acima, mas vamos lhe dar os méritos que tem, embora já teve muito mais do que tem hoje. E 99% do meu tempo, ou no caso, dos meus filhos, eles o ignoram solenemente… Mas quando são convidados a jogar Tormenta como se fosse um programão, eles que têm uma biblioteca vasta de opções das mais variadas e interessantes, foi dado a eles o direito de abrir a boca e dizer por que eles não jogam Tormenta, por que não gostam de Tormenta. Porque, no caso do mais velho, ele tem em algum buraco os livros originais autografados e já jogou quando era bem mais novo, mas cresceu, evoluiu e parou de jogar… Porque acham Tormenta um RPG ruim. PARA ELES. Eu não impeço a minha filha pré-adolescente de babar no Justin Bieber, nem tenho poder de impedir amigos, ou pior, meu pai, de assistir e comentar BBB… Da mesma forma, a opinião eventualmente ácida dos meninos sobre Tormenta não faz, ou não deveria fazer, nenhuma diferença na vida dos fãs de Tormenta. Exceto se a insegurança for tão grande, que seja preciso se vestir de brios e resgatar a honra perdida de um RPG no meio de zilhões, porque um adolescente e um jovem adulto, por livre e espontânea vontade, resolveram comentar verbalmente sobre porque não gostam de um determinado jogo e foram convidados a colocar isso em forma de artigo.
E ninguém os disse o que escrever. Ou que de fato eles deveriam escrever e publicar. Aliás, salvo algumas exceções que confirmam a regra, os gostos familiares são bastante ecléticos. Da menor que não quer nem ouvir falar de RPG e é fã do JB, ao do meio que não gosta muito da 4ª edição do D&D e entrou numas de ir a convenções de animê (eca!), ao mais velho que já passou por sua fase aTormentada e gostou de bandas de gosto (pra mim) duvidoso, chegando aos adultos, onde um é fã inconteste da 4ª edição e eu que não tenho o menor gosto por nenhum dos RPGs clássicos de fantasia medieval (jogo quando a pressão é muito grande, mas dispenso solenemente).
Discutimos nossos gostos, opiniões, hobbies, idéias e estimulamos uns aos outros a desenvolver argumentos e expor ideias. Ninguém aqui é pau mandado de ninguém… Apesar de ser mais “prático” usar essa acusação para evitar entender que mais de uma pessoa em uma mesma casa pode desgostar de um mesmo produto. Acontece… Que coisa, né? Mas acontece!
O termo fenômeno significa algo que aparece. E se aparece é passível de ser avaliado: apreciado ou não. E uma vez não apreciado, está sujeito a ter seus defeitos apontados. O que vai se fazer com essa lista de defeitos depende da importância que é dada a opinião alheia, a segurança que se tem no seu produto e talento, a humildade de admitir suas próprias falhas e seu gosto pela democracia e pela diversidade de pensamentos. É ao ouvir críticas que a gente conhece a verdadeira fibra moral de alguém. Só pra constar.
Por Adriana Almeida
Defendendo até às últimas consequências
o seu direito de discordar de mim…
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