Desde que a OGL foi criada, diversos jogos foram lançadas contendo modificações que adaptavam o sistema D20 da 3ª Edição à ambientação apresentada. Desde os mais diretos como Rokugan d20, que trazia novas classes, armas e monstros; até os mais inovadores como BESM d20, que repensava as classes e apresentava um sistema diferenciado para englobar a magia dos mundos de anime e mangá. No Brasil não foi diferente e houve diversos suplementos e ambientações lançadas e/ou convertidas pra o sistema d20: Crônicas Da Sétima Lua, Crônicas de Avalon, Vikings, Mítica e Tormenta, até então o RPG nacional de maior repercussão devido a sua vinculação direta à extinta revista Dragão Brasil durante muitos anos.
Tormenta sempre se apresentou como uma ambientação funcional para apresentar o hobby a novos jogadores que talvez não fossem capazes de se sair tão bem ao cair de paraquedas num cenário sombrio como Vampiro, a Máscara ou mesmo na fantasia medieval feijão com arroz do D&D genérico, principalmente os mais jovens. Mas esse cenário, com requintes de humor, sempre tendeu a se tornar obsoleto conforme os jogadores amadureciam e buscavam um jogo mais sério e mais bem amarrado. Ainda assim o cenário detém o mérito de ser um dos mais jogados no país.
Com a chegada da 4ª Edição, os tempos mudaram. As dificuldades de uma conversão perante a total repaginação do sistema de jogo afugentaram vários jogadores, tanto novos com preguiça de reaprender o sistema, quanto antigos fãs do 3.5 que acharam a nova edição muito MMORPG, ou qualquer outra justificativa. Nessa conjuntura os lançamentos tiveram que se adaptar: alguns se refugiaram no Pathfinder enquanto outros se aventuraram no novo D&D. E há, é claro, alguns que preferiram fazer do seu próprio jeito. Só que não deu muito certo
Tormenta RPG (TRPG) usou algumas regras da 4ª Edição, mas sem abandonar a 3.5, e ainda adicionou elementos de Star Wars Saga Edition e Pathfinder. A ambientação já confusa – Tormenta surgiu como um modo de juntar quase tudo já publicado na Dragão Brasil num só cenário – consegue ficar em segundo plano com as diversas trapalhadas que surgem nas regras. O famoso Trio Tormenta, e seus discípulos, o Trio Ultimate, abraçam o sistema de perícias e os valores fixos de pontos de vida do novo D&D. Mas mantêm o sistema antigo de talentos, BBA (ou quase) e classes de prestigio, entre outros. O problema verdadeiro não está na junção das regras das duas edições na tentativa de criar um 3.75, mas sim nas novidades que eles apresentam (ou adicionam de outros lugares).
Vamos ilustrar o seguinte grupo de personagens: um guerreiro, um feiticeiro e um ladino. O novo sistema de pontos de magia combinado com as magias da 3ª Edição transforma o feiticeiro numa máquina de dano. O sistema não limita a quantidade de talentos de metamagia a ser utilizada simultaneamente e, no 20º nível, nosso feiticeiro pode mandar uma chuva de meteoros maximizada, aumentada, potencializada e silenciosa. Em contrapartida, a modificação no BBA faz do guerreiro, a partir do sexto nível, tão útil quanto uma pedra. De agora em diante, não importando o seu valor de Bônus Base de Ataque, você só pode desferir UM golpe. No tempo que você leva pra dar uma única bordoada, o feiticeiro acelera uma tempestade de raios enquanto prepara aquela chuva de meteoros, contanto que tenha pontos de magia para tal e, acredite, ele tem.
Mas nem tudo esta perdido para as classes não arcanas: existem novas classes de prestígio e o nosso amigo ladino pode ser o Batman. A classe de prestígio Lenda Urbana permite que o personagem, pegando a habilidade Encarnação Da Vingança, use uma fantasia que o deixa irreconhecível e, no 10º nível da CdP (em torno do 15º ou 16º nível efetivo), transforma todos os ataques dele em ataques furtivos, inclusive contra criaturas outrora imunes. Pense conosco leitor, você é um ladino fantasiado (tudo bem, não é como se ninguém usasse roupas ridículas em Arton) e tudo que você precisa é de uma besta e uma luneta (que custa 1.000 PO para ser adquirido e acoplado à sua arma) e você pode desferir ataques furtivos a 36m de distância, todo turno! Então, você vê o Mestre Arsenal (ele ainda ta vivo?) e resolve atacá-lo, você acerta e a seu misero virote e inflige, além do 1d8 (ou um d10) de dano, mais 10d6 AUTOMATICAMENTE. E se você rolar bem o Esconder-se, você pode passar alguns bons turnos atacando até ele te achar, se conseguir, é claro.
Mas por que gastar dinheiro para ter sua besta modificada? Ou então um navio? As raças estão turbinadas e, no 1º nível, um humano com seus 3 talentos – o futuro “Batman” do exemplo acima – e a permissão do Mestre, além daquela Iniciativa Aprimorada para metralhar o Mestre Arsenal, pode pegar uma incrível dupla de talentos: Riqueza Verdadeira e Dono De Arton. Esses talentos lhe permitem jogar, uma vez por dia, um teste próprio (d20+ modificador de Carisma) para conseguir um item de valor X. Assim, com o bônus do segundo talento e um mísero Carisma 12 (+1), você só precisa conseguir um nove para ter acesso a um item que custe em torno 25.000 PO. É isso mesmo leitor, você pode comprar um navio! E rolando bem até um castelo! Onde está seu deus agora, elfo? Ah, é! Ela esta escravizada pelo deus dos Minotauros.
Não levem a gente a mal, mas tem coisa que não dá pra engolir. Você transformar aquele seu clérigo “band-aid”, capaz de curar um exército, num investigador com poderes de adivinhação é uma daquelas que não desce. Nós poderíamos agora tentar ressaltar pontos positivos do sistema, mas os negativos simplesmente quebram completamente o equilíbrio e a diversão que o jogo deveria proporcionar. Arton, pra variar, falha como um cenário serio. TRPG falha como sistema sério e os membros do Trio Tormenta e seus discípulos, o Trio Ultimate, mais uma vez, falham como autores sérios.
Por Marcelo Lacerda,
planejando um ladino/feiticeiro pra por um fim no Thwor Ironfist
e Matheus Telles,
tentando esquecer que há um reino chamado Hersheys…
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