Quando criei o setor Primeiros Passos aqui no portal, a proposta era ter um lugar e materiais específicos que apresentassem o RPG com uma definição e explicação básicas do que ele é – inclusive em formato .PDF para impressão – e material introdutório que fosse capaz de fazer o novato reunir um grupo de amigos e sair jogando. E ainda dei continuidade, falando sobre a criação de personagens e também sobre a sua evolução, tudo sempre acompanhado de material de jogo para download gratuito.
Na época alguns criticaram o material – especialmente o de criação de personagens – porque ele se focava em mecânica de jogo e no funcionamento do RPG em si apenas, não em dicas para novos jogadores. Ao que eu ponderei que a proposta desse material era ser uma ferramenta prática para se começar efetivamente a jogar, e que as dicas para iniciantes na Primeiros Passos seriam feitas futuramente, em um outro momento. Pois bem, o momento finalmente chegou!
Na segunda passada, eu fui pego de surpresa no bate-papo do meu e-mail por uma jovem iniciante que conheço de vista, me pedindo dicas sobre como lidar com um personagem em combate, porque ela tinha certa dificuldade com isso e os personagens dela acabavam morrendo. Isso me lembrou o meu início no hobby, em que a pessoa que mestrou para mim era péssima, e o meu primeiro personagem morreu por erro dela. Hoje digo que, apesar desse primeiro Mestre de Jogo, eu me tornei um jogador de RPG.
Naturalmente dei algumas dicas e orientações para a jovem jogadora, e isso me inspirou a retornar com esta coluna. Não sei ainda se o que disse a ela funcionou bem, mas espero saber em breve quando ela me der um retorno.
De cara quero dizer que não sei de antemão quantos artigos terão esta segunda leva, mas farei um arco completo como o primeiro, com início, meio e fim, ou pelo menos algo que tenha cara de “fim de temporada”. Tentarei contar um pouco sobre minhas histórias pessoais, algumas delas bem engraçadas, para ilustrar o tema abordado em cada artigo.
A única coisa que infelizmente posso garantir é que este novo arco irá apenas até fevereiro, quando minhas férias acabam e o meu tempo disponível voltará a ser negativo.
Espero que gostem e apreciem este segundo arco de artigos da Primeiros Passos e, principalmente, que eles ajudem vocês em suas mesas de jogo!
Para não ficar apenas na apresentação, vamos começar falando sobre as primeiras escolhas na hora de se criar um personagem.
Conforme dito no artigo Como Criar Personagens aqui da Primeiros Passos, a primeira coisa que você precisa é de uma ideia sobre o personagem que você vai criar. Você pode se basear em um personagem de alguma história, filme, série de TV, HQ, etc. Muitas vezes sua ideia pode partir de uma mecânica de jogo, como uma raça, classe, arquétipo ou até mesmo um “combo”, uma combinação de aspectos de mecânica de jogo. Não tenha vergonha ou constrangimento por fazer um personagem baseado apenas em uma mecânica de jogo, isso não é nenhum crime ou absurdo, e o seu personagem ainda assim poderá ser inesquecível. Não há nenhum problema, por exemplo, se em Vampiro, o Réquiem você escolher determinado clã e determinada coalizão apenas por conta de certa combinação de disciplinas.
O oposto também é válido, você pode querer fugir do padrão usual. Por exemplo, em D&D 4ª Edição, ao invés de fazer um anão clérigo de Moradin, você pode querer fazer um eladrin clérigo de Corellon. Ele muito provavelmente não será tão efetivo quanto um clérigo anão, mas ele poderá te trazer bastante diversão por ser uma combinação pouco comum. O RPG é, antes de tudo, um jogo, e o que vale mesmo é a diversão!
O importante é criar um personagem que você curta jogar e interpretar, desde que você não exagere e acabe atrapalhando a diversão dos outros. Sempre converse com o Mestre/Narrador e os outros jogadores para todos terem em mente qual vai ser o seu personagem. Não tenha receio de levar um “não” e não leve isso para o pessoal. Talvez a aventura que o Mestre pensou não tenha como encaixar o personagem que você pensou. Procure saber primeiro quais as restrições para a criação de personagens na aventura ou campanhas, e depois pense em uma ideia que você poderá usar sem problema.
E não faça absurdos. Se você vai jogar uma campanha de Rastro de Cthulhu ambientada nos Estados Unidos na década de 1920, não fique tentando convencer o seu Mestre a permitir um ninja foragido de seu clã.
Uma vez definida a ideia de personagem, pense numa pequena biografia. Ninguém é obrigado a ser um escritor e escrever toda uma vida fictícia nos mínimos detalhes. Mas quanto mais você definir a história pregressa dele, mais fácil será montar a ficha ou definir detalhes para sua interpretação do personagem. Você também pode fazer o oposto: depois de montar a ficha, pensar em detalhes da biografia dele para explicar determinadas escolhas de mecânica de jogo. Novamente, nenhum problema ou absurdo fazer isso. Muitos o fazem, mas a maioria não assume achando que isso seria algo condenável, o que não é.
A seguir, 10 perguntas cujas respostas são as informações básicas que todo personagem deve ter e que formam a base de uma pequena biografia:
- Onde nasceu e foi criado?
- Por quem foi criado?
- Como foi levado para a profissão/atividade que exerce?
- Quem o educou/treinou nessa profissão/atividade?
- Como e onde foi sua educação/treinamento?
- Tem parentes ainda vivos? Como é a relação atual com eles?
- Qual a relação atual dele com quem o educou/treinou? Essa pessoa ainda é viva?
- Quem são os seus amigos?
- E os seus inimigos?
- Quais as ambições dele, o que ele almeja? Quais as motivações?
Após definir a ideia e a biografia, é muito recomendado definir algum traço da personalidade dele, algo que o diferencie dos demais personagens e ajude você a interpretá-lo. Ninguém é obrigado a ser um ator profissional, mas pode ter certeza que é mais divertido criar algum detalhe de interpretação que o caracterize. Não precisa exagerar: uma leve mudança na maneira como você fala pode ser mais do que o suficiente.
A primeira vez que mestrei – e se tornou minha primeira campanha de fantasia – cada jogador interpretava dois personagens, porque metade do grupo agia entre a nobreza e a outra metade no submundo: era um grupo único de aventureiros que cobria todas as áreas. Um dos meus jogadores, o Nino, fazia o mago Shardik e o bardo Tommy Dee. Quando todo o grupo de personagens estava reunindo, eu e os jogadores sabíamos exatamente quando o Nino fazia o mago e quando ele fazia o bardo. A diferença? Uma mera e sutil mudança na entonação da voz. Claro que nem todo mundo é de início um grande jogador como meu amigo Nino (que eu não vejo há anos, infelizmente), mas a gente aprende.
E lembre-se: você não precisa necessariamente definir todos os detalhes e reações dele logo na criação. Conforme você for jogando, você pode ir fazendo isso. É inclusive o que acontece na maioria das vezes.
Apenas tome cuidado para também não exagerar na interpretação. Como sempre, lembre-se de se divertir sem estragar a diversão do Mestre e dos outros jogadores. Nenhum problema você ser o “alívio cômico” da campanha. Mas se for uma campanha mais séria, seja sábio ao escolher o momento da piada ou do comentário engraçado. E deixe espaço para todos interpretarem os seus respectivos personagens, não apenas você. RPG é um jogo cooperativo e deve haver espaço para todos brilharem.
Por fim, crie um bom nome para ele. Você inclusive pode começar a criação do personagem pelo nome. Procure por um nome que soe bem e que fique adequado ao cenário de jogo. Há na internet vários sites com listas de nomes e seus significados, e geradores de nomes. Eles poderão ser muito úteis caso nenhum bom nome venha à sua mente.
Na referida campanha acima, minha querida esposa tinha duas personagens maravilhosas, uma caçadora de recompensas e uma cortesã espiã. Depois ela criou um guerreiro unidimensional para substituir a cortesã, e teve a cara de pau de chamá-lo de “Zé”. Até hoje me arrependo de não ter matado aquele personagem na primeira sessão em que ela jogou com ele…
Por Marcelo Telles
Coordenador do REDERPG
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