Prólogo
Logmar observava Garr, o meio-orc, procurando indícios da criatura no chão de pedra mal trabalhada. O patrulheiro de traços fundos e olhar distante aproximou a tocha do chão rude, tateando por alguma pista. Se alguém poderia achar algum rastro do monstro, este era ele. Ao lado do Capitão Logmar e de Garr estava Tarisha, uma halfling de longos cabelos negros e olhos verdes que – como todos de sua raça – estava sempre atenta e pronta para se esgueirar nas sombras, para então atacar seu adversário em um ponto especialmente vulnerável. Os três sabiam que o resto de seu grupo estava mais atrás, não muito distante.
Eles três eram a isca.
O Capitão meio-elfo desviou o olhar de seu amigo e subordinado meio-orc e voltou sua atenção para o local onde estavam. Aguçou seus sentidos, pronto para reagir, caso a criatura atacasse de surpresa. Sentia que ela estava próxima, esperando à espreita. Talvez seja sua herança élfica que lhe concede tal percepção, talvez sua experiência em batalha, ou talvez ambos. Olhou com atenção os arredores. Parecia apenas mais uma grande galeria subterrânea construída em pedra, com a água malcheirosa correndo entre dois caminhos laterais também em pedra. Porém, mais adiante, Logmar pode perceber que a pedra mal trabalhada encontrava o simétrico e extremamente bem-acabado trabalho da alvenaria aldariana. Assim como boa parte das cidades dos Principados Brilhantes, o Condado de Dol Mordhar fora construído sobre ruínas do império ancestral da Sétima Lua. Ficou imaginando se a criatura era alguma criação dos aldarianos. Valeran, o mago eladrin de seu grupo, que estava mais atrás com os outros, talvez soubesse dizer, se eles conseguissem desentocar o monstro.
Garr fez um sinal para Logmar e Tarisha e os três prosseguiram avançando com cautela e silêncio. O Capitão ia por último, tentando ser o mais silencioso possível. Em outras situações, ele estaria atrapalhando seus dois sutis companheiros, que eram extremamente silenciosos com suas armaduras de couro negro trabalhado. Mas desta vez os eventuais ruídos de sua cota de malha os ajudava a ser a isca perfeita. Além do som de sua armadura ao caminhar, havia apenas o som da água corrente e a mudez da escuridão das galerias.
Viggo Logmar e seu grupo de veteranos da Guerra dos Estandartes Sombrios foram recrutados por sua velha amiga e também veterana da guerra, Brunhild Taigi, líder da Igreja de Gotheintor em toda parte ocidental do continente de Aldar e Magistrada Chefe de Dol Mordhar. Eles eram agora a Guarda da Magistratura, ou como eram chamados, a Guarda Negra, por conta da cor de seus uniformes e armaduras e pelo medo que começam a impor na cidade do condado, por terem a autoridade para “fazer o que for necessário”. A Guarda Negra na verdade é apenas o grupo de seis aventureiros que acompanham o meio-elfo Logmar, que é o seu capitão. Brunhild os recrutou para fazerem as missões mais difíceis e necessárias para que a grande cidade de Dol Mordhar seja purgada do mal que a corrompe. Uma guarda leal a ela e, acima de tudo, incorruptível. Em seu pouco tempo de atuação, a Guarda Negra já tem incomodado as organizações criminosas do condado, pela sua simples existência.
A criatura que eles estão caçando era o fim da parte “fácil” de seu trabalho: exterminar os monstros mais perigosos das masmorras sob a cidade. Ele era o último, o que mais tinha feito vítimas, o único que eles ainda não haviam conseguido identificar, e por isso o mais perigoso.
Logo o piso dos caminhos laterais – assim como as paredes e o teto – ficaram lisos e simétricos, e as galerias mais largas, com estranhos apoios para tochas e lanternas nas paredes a cada nove metros, o que não deixava dúvidas de que era a arquitetura aldariana.
Eles prosseguiram por mais uma hora e já estavam a quase três ali embaixo, cada vez mais distantes, no que parecia um infindável labirinto de galerias. Logmar confiava em seus companheiros para achar o caminho de volta, mas sabia que ruínas aldarianas ludibriavam de muitas formas quem ousava adentrá-las.
Subitamente, um outro odor começou a preencher o ar, além do cheiro fétido da água corrente ao largo: era o cheiro de carniça, de carne apodrecida. Logo a luz das tochas iluminou restos de corpos roídos a frente, provavelmente dos últimos aventureiros que tentaram enfrentar a criatura que fazia dos esgotos de Dol Mordhar e de suas saídas e entradas o seu campo de caça.
Garr fez outro sinal para Logmar e Tarisha e colocou sua tocha no apoio de parede mais próximo, para então desembainhar suas duas cimitarras. Logmar fez o mesmo com sua espada longa, enquanto Tarisha segurava uma adaga na mão esquerda e empunhava uma shuriken na direita, pronta para ser jogada. Eles então se posicionaram ao comando do Capitão: Garr vigiava o caminho adiante, Tarisha a retaguarda, enquanto Logmar se posicionava de costas para a parede, caso alguma coisa emergisse de dentro d’água. Mas foi da parede que veio o golpe que quase atingiu suas costas.
O meio-elfo sentiu a parede às suas costas se abrir a tempo suficiente para que o golpe da criatura apenas o ferisse levemente. Garr se virou e golpeou ferozmente o monstro, enquanto a halfling rolou para uma posição mais distante, e dali se ocultou na escuridão.
Enquanto se preparava para revidar, Logmar tocou um apito e gritou para onde ele achava que Tarisha poderia estar para que ela atacasse. O Capitão da Guarda Negra entendia agora porque eles não haviam conseguido identificar antes a criatura: o que quer que fosse ele nunca tinha visto antes. Ele avançou para cima dela, se posicionando de tal maneira que ela ficasse com a atenção dividida entre ele e o meio-orc.
O monstro agora atacava Garr, que após desferir golpes gêmeos com suas cimitarras, procurou em vão se afastar do alcance daquela aberração, que avançou e desferiu um ataque avassalador com sua mordida no patrulheiro. O meio-orc resistiu bem ao golpe e continuou em pé, apesar da gravidade do ferimento. Garr é um Caçador da Escuridão e foi treinado por seu rouken para combater aberrações como esta, que vivem no subterrâneo de Isaldar, e que assolam a superfície da Sétima Lua nos períodos em que a luz dos dois sóis fica oculta por Elária, o planeta em torno do qual Isaldar orbita e de onde as demais raças sencientes foram trazidas pelos deuses mortos há mais de duzentos anos. Chamado adequadamente de “A Escuridão”, estes longos eclipses que duram até dias, trazem o terror do subterrâneo da Sétima Lua para a superfície, que emerge sob muitas formas para caçar a população.
A espada Logmar fez um sangue negro jorrar do que parecia ser as costas da criatura, que se virou para dilacerar o Capitão em meio ao seu urro de dor. Neste momento, o meio-elfo teve uma breve visão geral do monstro… Ele era grande, seu corpo parecendo o de um verme gigante e, mesmo assim, se deslocava com extrema rapidez. Possuía dois braços que terminavam em poderosas garras, além de uma enorme mandíbula com uma série de dentes protuberantes e afiados que dominava uma “cabeça” pequena que nada mais era do que a continuação do seu corpo asqueroso. Nas laterais da cabeça havia dois pares do que pareciam ser olhos ou alguma coisa aparentemente com essa função.
Antes que pudesse desferir toda a sua ira contra o Capitão da Guarda Negra, uma shuriken emergiu da escuridão e atingiu a besta naquilo que pareciam ser olhos, provocando um enorme clamor de dor da criatura.
Logmar recuou e ordenou a Garr que se afastasse ainda mais. Apenas eles três contra aquilo seria desnecessariamente arriscado, e o Capitão começou a atrair a criatura na direção de onde eles vieram. O monstro, contudo, era mesmo mais rápido do que aparentava, e teria facilmente dilacerado o meio-elfo se projéteis de energia mística não tivessem rasgado o negrume da galeria e o atingido, fazendo-o urrar novamente de dor. Eles anunciavam a aproximação de Valeran e dos demais: Drusina, uma bruxa tiefling que foi o último membro a entrar no grupo; Kalyan, um clérigo yaksha devoto de Ashkar-Mithrael, cuja voz ressoava pelos túneis avisando da aproximação deles; e Gerolt, um bravo guerreiro anão, da tradição dos defensores de sua raça, que emergiu da escuridão com um brado e investida furiosos contra a aberração.
O intrépido do guerreiro de Karn decepou uma das garras da criatura com o seu machado grande, e ela então urrou ainda mais forte, de um modo absolutamente primitivo e bestial, em meio ao jorro do líquido negro espesso que era o seu sangue. O monstro então se tornou simplesmente fúria, e a descarregou contra o bravo membro do Povo Mercenário, atacando-o com sua garra restante e poderosa mandíbula. O anão foi jogado contra a parede pelos implacáveis golpes da besta, que então novamente se virou na direção do Capitão meio-elfo. Logmar gritou:
– Garr, ataque-a! Todos ataquem agora! – e clarões de energia arcana e divina iluminaram novamente a galeria, para então fulminar o torso da criatura, ao mesmo tempo em que o Capitão da Guarda Negra e Garr desferiam seus golpes. A aberração, agonizante, ainda teve forças para ferir Logmar e ainda mais o meio-orc com sua garra e mandíbula que se esvaia em seu sangue tenebroso, para depois finalmente cair quando mais uma shuriken vinda da escuridão cravou no que supunha ser a sua face.
Um ponto de luz vindo do caminho pelo qual Logmar, Garr e Tarish vieram, aos poucos foi se aproximando e revelando o seu portador, Valeran, e o resto do grupo, a bruxa tiefling Drusina e Kalyan, o clérigo yakhsa do deus da luz. À frente deles estava a halfling Tarisha, saindo de seu esconderijo em meio às sombras.
O Capitão Viggo Logmar ajudou Gerolt a se levantar:
– Eu estou bem. Meu orgulho dói mais do que minhas costelas, por esta coisa ter conseguido me arremessar – disse o defensor do povo anão com o seu típico bom humor após uma batalha vitoriosa. – Ajude Garr, que acabou recebendo a maior parte da desgraça.
– Algo me diz que, se você não fosse anão, ela teria conseguido arremessá-lo nesta água “perfumada” – respondeu Logmar apontando para a água corrente do esgoto. – Kalyan, pode curar Garr? – O yaksha consentiu com um aceno e foi em direção ao meio-orc.
– Com mil demônios, o que é esta coisa? – perguntou Tarisha após sair da passagem antes secreta que levava ao covil do monstro, trazendo como espólio o que de valor pertenceu ao grupo de aventureiros devorados pela besta.
– É um balakash – respondeu Garr fazendo uma cara de alívio, enquanto Kalyan entoava uma magia de cura para ele – é de fato uma aberração do Subterrâneo, mas muito rara…
– Eu ficaria profundamente feliz se, assim que Garr tiver condições, nós saíssemos deste odor desagradável – falou Valeran com seu habitual ar blasé. – E então, Viggo, o que faremos agora, após estes três “agradáveis” meses matando “ratinhos” de esgoto como este aqui?
– Agora vem a parte mais difícil: matar as “ratazanas gordas” e seus servos, que vivem no luxo e na opulência, lucrando com o mal e a corrupção em Dol Mordhar.
Marcelo Telles
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