O objetivo deste artigo em duas partes é fornecer ideias para realçar o “Lado Negro da Força” de sua Campanha de Crônicas da Sétima Lua. Mais especificamente, iremos dar algumas ideias de como você pode usar os ermos nefastos de Haradath, as Terras da Noite e, é claro, a Ferida. Além disso, vamos finalmente dar algumas dicas sobre como usar a própria Aniquilação.
Em minha opinião, em RPG sempre vale a Regra da Lavoisier. Quer ser original? Vá escrever um livro ou roteiro. Em RPG você não tem que ser original, sua história tem que ser intrigante, apavorante, empolgante… ou seja, divertida. E na verdade fazer referência a fontes literárias ou cinematográficas sempre anima os jogadores. Por isso, ao longo dos exemplos abaixo, sempre vou tentar associar uma parte de C7L com algum filme, livro ou história famosa. A idéia é ajudar você, leitor, a pegar “o espírito” da coisa. Afinal, existe mais de uma forma de se ver cada pedacinho de Isaldar e das demais Seis Luas.
As Cinco Faces do Mal
Na Terra de Haradath, onde as sombras se deitam.
Demetiel, o Perpétuo, é o vilão quintessencial. Um lich teurgista místico cujos primeiros passos em direção à divindade espalham pânico e receio por toda Aldar. Ele é o Dark One. Ele é Vecna. Ele é Sauron. Demetiel é perfeito para encabeçar uma campanha, seja de níveis baixos, como altos.
A princípio, Demetiel funciona como o Grande Mal, cuja mera menção do nome é capaz de atrair infortúnio (e se você levar em consideração que um deus pode ouvir seu Nome ser pronunciado, isso é verdade). Nesse estágio, o Perpétuo age por meio de seus espiões no melhor estilo Saruman/Sauron. Afinal, correm boatos de que Ele vê através de todo verme, ave e ser rastejante de Haradath. Isso sem contar seus mortos-vivos, clérigos e servos das diversas raças – parias e traidores cujo único lar são as terras lúgubres de Haradath.
À medida que a campanha progride, os heróis vão enfrentando os primeiros generais de Demetiel. Contudo, apenas bem mais tarde eles atraem a atenção do próprio Perpétuo. E é nesse momento que o mestre é convidado a fazer chover fogo e ruína sobre o grupo. Talvez, no primeiro momento em que Demetiel tome conhecimento dos míseros aventureiros, ele lance uma maldição que destrua a cidade natal do grupo e transforme todos os seus habitantes (e velhos aliados) em mortos-vivos. Pegue pesado! Mostre para eles o nível do Adversário. Faça os heróis terem que constantemente usar magias e subterfúgio para se esconderem.
Outro fato importante: Demetiel é tabula rasa. Note que não revelamos nada sobre seu passado. Isso é proposital. A chave para derrotar o Perpétuo envolve pesquisar quem ele foi. Aqui o mestre está livre para tecer o conto que desejar. Talvez isso envolve viagem para outras das Seis Luas, ou mesmo para o limiar de Elária (através de lua de Calázia) – ou ainda no próprio Tempo (não se deixe limitar por convenções). Demetiel pode ser na verdade o último membro de uma raça perdida; ou o ganancioso arcano que buscou Coisas Que Nenhum Homem Devia Saber e invocou por engano a própria Aniquilação; ou Demetiel pode ser um dos heróis! (E para você não achar que estou ficando louco, pense nisso – Demetiel pode ser um Luminar que descobriu como viajar no templo usando a Centelha Divina. Seu objetivo em Isaldar é garantir que ele venha a existir, volte no tempo, e invoque a Aniquilação para que o poder dos deuses se espalhe na forma dos Luminares.)
Deixando minha demência de lado… Outro ponto chave é: qual o plano de Demetiel? O que ele pretende conseguir? A resposta mais óbvia é a Divindade. Outra opção clássica é transformar toda Isaldar numa terra dos mortos. Aqui entra o clássico cenário da “cruzada contra os mortos”, onde os heróis lutam, a princípio junto às forças do Forte do Amanhecer, contra exércitos e mais exércitos de mortos-vivos. Claro, o objetivo do Perpétuo pode ser algo mais sinistro e apavorante. Talvez Demetiel queira atingir a Divindade não para reinar sobre Isaldar, mas para fugir. Afinal, em algum momento virá o Alinhamento. A Aniquilação se libertará e talvez a única saída seja tornar-se um deus para fugir da própria Criação.
O que foi dito até agora é o “ABC” do vilão lich. Nada de novo, provavelmente. Agora, se você quer realmente colocar um Isaldar mais sombrio, aqui vão duas idéias para ponderar.
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Vamos falar da Escuridão, o sinistro e sobrenatural eclipse de Isaldar na sombra de Elária. O primeiro uso da Escuridão é bem óbvio e iremos falar dele brevemente aqui. Bem, vamos lá: vejam o filme Pitch Black (Eclipse Mortal). Troque os aliens por feras do caos, mantors, grimlocks, doppelgangers, aranhas gigantes, morcegos atrozes… vocês entenderam meu ponto. Dêem aos heróis uma cidade para eles defenderem durante todo o eclipse. Divirta-se!
Nessa vertente, a Escuridão permite que o mestre brinque com “mini-apocalipses” sem ter que destruir o mundo todo, aniquilar regiões e mudar a forma do cenário. É uma maneira mais conveniente para variar histórias (e também garante boas aventuras-solo ou sessões únicas).
Agora, vamos falar de como ser realmente malignos com a Escuridão. A chave, como explicado brevemente em Crônicas da Sétima Lua, é que o Mal da Escuridão é interior. Ela realça as trevas dentro de cada pessoa. O eclipse age como um catalisador sobre o lado negro da alma e reforça tais sentimentos. Ele tenta. Ele instiga. Pense em contos vitorianos sobre moral e decadência. Pense em Ravenloft.
Ao usar episódios de Escuridão, jogue monstros dos subterrâneos sobre os heróis aos montes. Mas faça isso para disfarçar seu verdadeiro objetivo: corromper os heróis. Coloque-os perante escolhas morais horríveis. Por exemplo: durante o refúgio em um castelo, faça a comida acabar (e mate qualquer clérigo capaz de criá-la). Ou diga que a filha de algum NPC sumiu. Depois coloque a garotinha de volta, com todos querendo matá-la por acharem que ela é um doppelganger (e se os heróis ficarem do lado dela, eles também serão mortos). Claro, se eles conseguirem fazer com ela fique transforme ela num doppelganger! Caso isso faça com que os heróis matem a próxima alma perdida que encontrem, faça com esta seja inocente. Isso é justo? Não, mas Escuridão não joga limpo. Ele quer a alma dos heróis. Quer vê-los desistir da Luz. Assim, tente as personagens dos jogadores. Coloque um NPC louco, único sobrevivente da última Escuridão, que fala que se alguém for sacrificado a sangue frio “em nome da Escuridão”, o autor do ritual adquire o poder “de ver nas Trevas e de evitar seus monstros”. Se alguma personagem de jogador for trouxa de cair nessa, dê-lhe poder. Dê-lhes talentos adicionais ou magias (ou mesmo novas habilidades) que funcionam somente durante a Escuridão. Veja se os demais cometem o mesmo erro. Quando a Escuridão tiver acabado, faça com que todos os que fizeram o ritual transformem-se em grimlocks. E o NPC louco? Era um doppelganger. Caso não tenham sacado o clima, veja o filme Advogado do Diabo. Ótimas dicas sobre como “o mal sempre vence”.
Cabe lembrar que devido ao seu “quê” bem mais psicológico, a Escuridão é ótima para se brincar com a percepção dos heróis. Trevas são, mitologicamente falando, um tema associado ao caos, ao abismo primordial, ao Nada, à ausência de forma. Siga esse simbolismo. Faça com que durante a Escuridão a geografia fique estranha, de forma que quem for tolo de viajar pode parar do outro lado do mundo (caso essa versão soe exagerada para alguns mestres, use essa explicação: a Escuridão é causada pela aproximação entre Isaldar e o Plano das Sombras, que distorce direções). Se você quiser ir ainda mais além, mude coisas. Uma bela cidade pode virar um lugar apavorante e corrompido na Escuridão. Pessoas podem ficar diferentes. Os próprios heróis podem mudar. Uma idéia? Coloque que todos os heróis são envenenados durante a Escuridão por algum monstro furtivo dos subterrâneos e passam a ver coisas de forma distorcida (pense nos efeitos da droga do Espantalho em Batman Begins). Os heróis agora não conseguem diferenciar vítimas de monstros e tem que conseguir a cura antes que percam totalmente sua sanidade.
Por último, uma dica para um vilão com o clima da Escuridão. Primeiro, crie um monstro dos subterrâneos único (talvez um doppelganger vampiro ou quem sabe um grimlock algoz/feiticeiro bizarramente inteligente). Coloque ele no encalço dos heróis e – se tudo correr bem – deixe os heróis derrotá-lo. O problema? Na próxima Escuridão o vilão não só volta, como o faz mais poderoso. E a cada Escuridão ele retorna sempre mais forte. Como deter isso? Como fugir de um inimigo que parece imortal e cada dia mais potente? Agora sim as personagens de seus jogadores passarão a suar frio com a iminência de um dos eclipses.
As Hordas das Trevas
Haradath oferece o vilão clássico e individual – o Adversário. A Escuridão é a fonte de terror vitoriana (ou psicológica se preferir). Por isso tínhamos que bolar alguém que cumprisse um papel, digamos, mais “físico”. Como os orcs de Crônicas da Sétima Lua possuem uma história mais complexa e moralmente ambígua, eles não são lá os melhores candidatos para o papel de Horda Maligna® – a tarefa coube aos Clãs Bestiais e seus senhores ogros-magos das Terras da Noite.
Os Clãs são malignos sem pudores, ressalvas ou tons de cinza. Eles estão ali para serem a horda selvagem, a vasta marcha de antagonistas, cujo único propósito é cobrir Isaldar em trevas e ruína, além de dominar e escravizar as demais raças. O papel das Terras da Noite é dar uma desculpa para os mais variados monstros estarem juntos. Seus líderes são ogros-magos – uma das criaturas mais legais e versáteis de D&D – ou seres sobrenaturais malignos associados (como beholders, illithids, rakshasas, diabos, demônios, gigantes, dragões etc). Nada impede o mestre de criar seu próprio Clã Bestial, com o líder monstruoso no topo e uma cadeia dos mais variados inimigos abaixo para ser enfrentada ao longo da campanha.
Até aqui nada de novo. Agora, como usar as Terras da Noite como tema central numa campanha mais sombria? Simples: cruzadas! Imagine um início de campanha onde mensageiros meio-dragões de Khazantar surgem perante os portões das maiores cidades de Karn, dos Principados Brilhantes, do Império Melkhar, de Aryavarta e do Império do Leão Celestial, conclamando “os bravos e destemidos campeões da Luz” a tomarem armas contra uma horda de Clãs Bestiais nunca dantes vista que está para varrer do mapa Khazantar e depois o resto de Aldar.
A partir desse ponto espelhe-se nas nossas próprias cruzadas européias. As primeiras aventuras envolveriam um grupo cada vez maior de heróis, mercenários e interesseiros se unindo para marchar para Khazantar. Surgem inúmeras dificuldades nisso. O mero fato desse exército de “heróis da Luz” se mover pode colocar nações belicosas como o Império em pé de guerra. Imaginem as dificuldades em se cruzar o Mar Aldariano ou as trilhas da Ferida? Fora as inúmeras intrigas internas, seja por poder, vaidade ou diferentes visões “da coisa certa a fazer”. O que começou com boas intenções pode se converter na ferramenta de domínio de algum habilidoso manipulador, que inclusive nem precisa ser maligno. Pegue a próprio saque de Constantinopla, na nossa História: o que impede um exército liderado por zelotas dos deuses da Luz de querer “dar uma paradinha” para saquear a capital do Império Melkhar “que há séculos pratica a profana Tecnomagia com os corpos sepultados dos deuses!”.
Caso esse juggernaut consiga alcançar Khazantar a tempo de salvá-la, o que o espera lá? Aqui a inspiração é novamente nossa História: pense nas temidas invasões da Antiguidade e da Idade Média feita por hunos, mongóis e demais povos. Como a Terra da Noite ficou tão poderosa? Talvez algum ogro-mago (ou algo que se pareça com um) tenha alcançado o Lar das Sombras e unificado os Clãs Bestiais. Mas por que parar aí? Afinal, queremos uma ameaça de proporções cataclísmicas! Não só os Clãs Bestiais foram unidos, como o controle sobre o Lar das Sombras permitiu que estendessem a Noite Eterna sobre toda Aldar Oriental. Pronto, agora a coisa promete. Nesse contexto, os Clãs Bestiais podem conseguir aliados dentre os urorcs da Ferida ou das raças subterrâneas da Escuridão. E não se esqueça de usar a política oriental de Aldar para esquentar as coisas: os hobgoblins bizantinos de Abannônia podem ser confiados como aliados? Ou irão trair a Cruzada no momento crucial? E os bárbaros zian-kor da Horda Fantasma? De que lado ficarão? Uma aventura envolvendo os heróis tentando provar a força e coragem da Cruzada perante os líderes zian-kor pode fornecer o apogeu da campanha, antes da grande batalha final. Quem sabe os heróis não consigam ainda despertar um leviatã (veja o Guia do Jogador de Crônicas da Sétima Lua)? E a eternamente oculta Shinmarash? Qual seu papel? Caso o seu objetivo seja realmente uma campanha sombria, é possível que a Cruzada derrote os Clãs Bestiais para – quando enfraquecida e debilitada – ser arrasada por hordas de gnolls, homens-lagartos, nagas e demais raças profanas saídas dos vastos pântanos ocultos de Shinmarash. Resta aos heróis agora cruzar a Ferida, alcançar Aldar ocidental e preparar uma nova cruzada contra um inimigo ainda mais terrível.
Por Tzimisce
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