De Profundis: Letters from the Abyss (resenha)

VOCÊ CONHECE A SUA PRÓPRIA MENTE?

Qual imagem vem a sua cabeça quando você ouve a palavra RPG? Certamente é um grupo de pessoas (geralmente homens), sentados em volta de uma mesa, com planilhas, lápis, dados e salgadinhos. Este cenário imaginado é o correto, porém não é o único possível: você pode incluir alguns sanduíches naturais à dieta…

Deixando as brincadeiras de lado, existem algumas maneiras de se jogar RPG de um jeito “não-ortodoxo”. Assim, você já deve ter ouvido falar (e está cansado disso) sobre jogos sem planilhas, sem dados, etc. Agora, o assunto deste artigo é um jogo de RPG neste mesmo estilo: sem dados, sem planilhas, e até mesmo sem mesas, sem sistema e nem mesmo Mestre!

O Jogo

De Profundis: Letters from the Abyss é um jogo baseado na troca de cartas entre os participantes, que criam uma rede de contatos para rolar o jogo. Não se trata de um simples jogo por correspondência, e sim de uma maneira de voltar às origens das narrativas, possuindo aspectos bem peculiares e interessantes.

Este jogo faz parte de uma tendência na linha rpgística, chamada de New Style, tendo Puppetland e Power Kill como sólidos representantes. Tal tendência é formada por jogos simples, distribuídos geralmente online em formato pdf, tratando de temáticas totalmente fora do mainstream, ou propondo novas formas de jogo e interpretação.

Capa da edição mais recente do jogo, a 2nd Edition

Em DP: LftA você interpreta um investigador do desconhecido, como nas obras de Howard Phillips Lovecraft. A grande diferença é que você não utiliza uma tradicional mesa de RPG para jogar, e sim o seu próprio dia-a-dia, durante as mais diversas situações. Você não acha estranho aquele grupo de mendigos que te observam durante o caminho para pegar o ônibus para a faculdade? E aquele seu vizinho que ninguém nunca viu durante o dia?

Pode parecer estranho, mas a mecânica de DP: LftA é bem simples e funcional. Uma vez definidos a época de jogo e personagens participantes, os jogadores começam a trocar correspondências entre si, relatando as suas experiências. O conteúdo de tais cartas é responsável pela imersão e profundidade da atmosfera de jogo. Com o avançar da trama, a leitura cronológica das correspondências se transforma em um relato de horror e medo, como nos contos de Lovecraft.

O Sistema

Um dos grandes atrativos de DP: LftA é a completa e absoluta ausência de sistema de regras e planilhas de personagem. O jogador deve apenas elaborar o histórico de seu personagem em uma carta de apresentação destinada aos outros participantes da rede de jogo, com detalhes sobre a sua idade, profissão e o que mais for relevante. Após este fato inicial, o jogador deve escrever as cartas como se as situações descritas fossem vividas por ele próprio no cotidiano, utilizando uma técnica chamada de Psicodrama. Tal macete é explicado no livro, e envolve a utilização de eventos diários para a elaboração da trama.

Jogando De Profundis não dizemos ao Mestre que iremos até a biblioteca procurar pistas. Ao invés disso, VOCÊ mesmo vai até uma biblioteca e realiza a suas pesquisa nos livros, utilizando o Psicodrama para transportar o que vimos no mundo real para a ficção de Lovecraft.

Abaixo é reproduzida uma passagem do livro, que reproduz bem o espírito do jogo:

“De Profundis consiste em escrever cartas.
É ser quem freqüentemente interpretamos em sessões de outros jogos de interpretação.
É atravessar a linha que separa o jogo da realidade.
De Profundis é Psicodrama.”

Ainda existe uma curiosa distinção entre os tipos de Psicodrama, separados em Psicodrama de Correspondência, de Campo e o Solo. Sendo que cada um leva a um tipo diferente de interação entre os jogadores.

Vale ressaltar que, mesmo utilizando-se de bases de horror dos livros de Lovecraft, De Profundis não é um suplemento para o jogo Call of Cthulhu. Assim, não é necessário ter familiaridade alguma com o jogo clássico ou seu universo para poder utilizá-lo.

O Livro

De Profundis é apresentado em um simples livreto de 32 páginas, com a bela capa em cores produzida pelo talentoso Dennis Detweiller, artista bem conhecido pelos seus trabalhos na linha da Pagan Publishing para Call of Cthulhu. O texto todo é exposto como uma grande coleção de cartas, onde o autor conta para um remetente oculto sobre um estranho jogo com o qual sonhou. No meio destas descrições, o conceito de DP: LftA é explicado, sendo que cada “carta” representa um capítulo do livro, seja ele dedicado às ferramentas de Psicodrama, aos períodos de jogo, à formação da rede de contatos e personagens, etc.

Em suma, De Profundis apresenta uma base sólida para o desenvolvimento de um jogo de RPG diferente. Como ponto positivo pode-se destacar a possibilidade de experiências realmente novas, através da troca de correspondências. Já como aspecto negativo tem-se a necessidade de aplicar muito tempo livre para tal empreitada: apesar de não utilizar a tradicional estrutura de mesa e grupo de jogo, DP: LftA demanda uma boa dose de boa vontade, tanto para a aplicação do Psicodrama quanto para a elaboração das cartas. Também é recomendado que as cartas dos correspondentes sejam “saboreadas”, e não simplesmente lidas, demandando mais um bocado de tempo livre.

Realmente é uma pena que não consegui jogar DP: LftA antes da confecção desta resenha, pois com certeza outros aspectos poderiam ser observados. Porém posso afirmar que se você tem um pouco de tempo livre, e tem interesse em experimentar as situações inusitadas que De Profundis tem o potencial pra proporcionar, vá em frente (ainda mais considerando o seu baixíssimo preço)!

Compre uma cartela de selos. Finalmente achamos um uso para aquela caneta que você ganhou na formatura.

Notas (de 1 a 6)
Layout/Arte: 3
Texto: 4
Conteúdo: 4
Nota Final: 4

Ficha Técnica:
De Profundis – Letters from the Abyss.
A Game of Mind-Warping Horror in the Style of H. P. Lovecraft.
Por Michael Oracz; capa e ilustração por Dennis Detweiller. 32 páginas.
www.chaosium.com