Se tem uma coisa de que já me acusaram muitas vezes é ter uma imaginação fértil demais. Já estou acostumado a receber olhares estranhos e sobrancelhas levantadas quando começo a divagar sobre as coisas mais banais. Sabe, quando alguém fala uma besteira qualquer e você começa a viajar sobre aquilo? Deixa a imaginação solta e deixa o absurdo tomar conta!
Não? Então leia esse artigo e me agüente mais uma vez enquanto viajo nessas linhas.
A imaginação é talvez o maior dom que ao ser humano foi dado (seja pela evolução, Deus, o destino ou outra fonte). Exercitar a imaginação não é somente uma brincadeira, mas também uma forma de desenvolver o raciocínio e a inteligência. Você não precisa querer ser um escritor, publicitário, game designer ou coisa parecia para precisar de sua imaginação. Essa noção de que quem trabalha com formas lógicas e/ou mecânicas não precisa de imaginação é ridícula! Não só precisa-se da imaginação para inovar e improvisar, como ela é uma ótima forma de se desestressar.
Conheço quem seja radical. Dizem que você deve desligar a televisão e ler um livro. Também acho que o brasileiro tem que sentar em um lugar confortável e devorar livros. Faz muito bem. Mas a televisão e o cinema também têm o seu valor na formação da imaginação do indivíduo. Simplesmente andar dar rua, sair com os amigos, ir ao colégio, são fontes de imaginação.
Já escrevi mais de um conto com idéias tiradas de cenas cotidianas levadas ao ridículo. Como quando vi um entregador de uma famosa empresa de correspondência internacional andando na rua e, poucos metros à frente, estava parado o carro de uma concorrente. Em 5 minutos, já tinha divagado ao ponto de que os dois carteiros, levados pela concorrência feroz do capitalismo moderno, trocavam tiros em cenas que lembravam muito Matrix.
Outra história saiu da conversa com outro amigo em um daqueles dias em que o tráfico do morro do Rio de Janeiro mandou fechar a faculdade. Só sei que, no final das contas, os padres da universidade tinham um exército do Vaticano – secretamente enviado por túneis subterrâneos – e defenderam o lugar de uma invasão de traficantes armados.
Besteira pura? Claro que sim! Mas isso é que é importante!
Não adiante querer se limitar pelo que parece ser ridículo. Esqueça as convenções e deixe sua imaginação solta! Se você receber olhares estranhos, e daí? Em alguns minutos, você exercitou a sua mente , se divertiu e relaxou. Ninguém reclama de filmes cabeça como 2001 – Uma odisséia no espaço ou das comédias inglesas. Kubrik e o Monty Python são gênios em sua própria forma porque permitiram à imaginação correr livre, fosse para uma história de ficção ou para a mais pura comédia non-sense.
Você conhece alguém que, quando criança, nunca fantasiou em ser astronauta, médico, cowboy ou sei lá? Teve um amigo imaginário ou sonhou com histórias fantásticas, acreditou em mágicas? Em Papai Noel e Coelhinho da Páscoa? Talvez nossa sociedade em alta-velocidade, onde a competição é acirrada nos tenha obrigado a esquecer o mundo da fantasia para nos concentrar em algo mais palpável, mais real. Isso é um erro gravíssimo. Nunca devemos esquecer dessas brincadeiras bobas.
Um exercício divertido que sugiro é o seguinte: observe as pessoas a sua volta. No ônibus, no restaurante, na rua. Crie uma história para algumas delas. Tente imaginar, observando a pessoa, quem ela é, o que está fazendo e o que está acontecendo na vida dela. Não se prenda a nada e deixe uma idéia buscar outra.
Associação de idéias é um outro exercício excelente que me pego fazendo sem querer. Já percebeu isso acontecer com você? Você lembra de um filme sobre Roma Antiga e, cinco minutos depois, você está pensando naquela vez que inventou ir com alguns amigos de bicicleta em uma trilha que nunca tinham ido antes e se perderam. Como diabos cheguei até aqui? Refazendo seus passos, percebe que o filme te lembrou de uma vez que foi assistir a uma maratona de filmes com uns amigos comendo besteira de madrugada, o que o fez lembrar que deixou cair refrigerante na roupa, o que te lembra da máquina de lavar que está com defeito.
A máquina de lavar está fazendo um barulho absurdo, tanto que você mal pôde ouvir o telefonema do seu primo ontem, que mora em Minas. Você costumava passar as férias no interior de Minas com a família. Uma vez, seus primos e alguns amigos inventaram ir de bicicleta para uma trilha que tinham ouvido falar. Adivinha o que aconteceu? É, vocês se perderam.
De uma hora para a outra, você pulou de um filme para uma lembrança de infância e nem se tocou de como chegou até lá. O cérebro funciona de forma estranha. Por que não aproveitar isso?
Uma forma de exercitar isso é forçar essa associação. Você pode fazer isso junto com outra pessoa. Fale uma palavra qualquer e a outra tem de responder com a primeira palavra que vier na cabeça. Não se surpreenda se começarem com ‘abacaxi’ e terminarem com ‘feminismo’.
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João Marcelo Beraldo
Diretor de Criação da Eschola.com
autor do livro de ficção Véu da Verdade.