Num artigo anterior, falei sobre como você pode aprender jogando e descobrir quase “sem querer” coisas que muitos profissionais aprendem “na marra”. Desta vez, vou falar de um assunto um tanto polêmico. Polêmico em sentidos diferentes, dependendo do seu ponto de vista.
Rufem os tambores…
RPG!
Não vou me deter especificamente no que é o RPG (Role Playing Game), porque não é esse o intuito desta matéria. Basta explicar que é um tipo de jogo em que cada participante interpreta o papel de um personagem, como se fosse um ator. A diferença é que o jogador tem liberdade e não é preso a um roteiro. Geralmente, alguém (os títulos variam: Mestre do Jogo, Contador, Narrador etc) cria uma história em que esses personagens são imersos. O papel do Mestre do Jogo é julgar os efeitos das ações dos jogadores, seja com o uso de dados ou através de puro senso comum.
Certo. Agora que você já sabe que o RPG não tem nada a ver com rituais satânicos ou assassinatos em série – embora alguns acreditem piamente nisso – vamos ao assunto do artigo.
Imagine que um amigo seu chame a galera para um joguinho amistoso no sábado. Ele tem uma nova idéia para uma história e quer ver o que vocês acham. Só para ser diferente, não vou dar o exemplo clássico de uma aventura medieval com dragões & cia. (sim, existem outros tipos de RPG!). Seu amigo lhe diz o básico: é uma aventura que acontece num futuro próximo, no nosso próprio planeta, que vive uma situação bem pior que a atual, em relação ao clima, especificamente. Tornados e maremotos atingem as costas de vários países. Imagine todos esses furacões que você viu acontecerem ultimamente e multiplique por cem.
Pronto, você tem um cenário conhecido: nosso mundo, mas com uma mudança para deixar aquele gostinho de mistério. O que o seu amigo tem em mente? Como ele disse que o jogo vai se passar no Brasil, no Rio de Janeiro, e que você pode interpretar um personagem qualquer, uma pessoa real, você resolve dar uma estudada nas possibilidades.
Considerando o pouco que sabe sobre o cenário do jogo, você imagina que jogar como um meteorologista pode ser interessante. Pesquisa na internet sobre o trabalho de meteorologistas, sobre institutos, observatórios etc. No final de algumas horas, você aprendeu como um meteorologista estuda e se forma, qual o trabalho dele e até o nome de alguns lugares por onde teria passado em sua vida profissional. Já está montando uma história para o seu personagem. De quebra, acaba batendo em alguns sites que discutem o aquecimento global e os recentes tornados nos EUA e no sul do Brasil. Se vamos tratar desses acontecimentos, é bom saber com o quê estaremos lidando!
Ao mesmo tempo, seu amigo vem fazendo pesquisas ainda mais profundas. Ele tem uma idéia e precisa de detalhes. Se existe uma coisa que torna uma aventura de RPG memorável é a riqueza de detalhes. Ele vai fuçar os sites sobre equilíbrio ecológico, efeitos da mudança de temperatura da Terra, buracos na camada de ozônio etc. Provavelmente acabará a pesquisa com dezenas de idéias interessantes, algumas realistas outras bem fantasiosas. A partir daí, começa a escrever a aventura introdutória para os jogadores.
Quando você e seus amigos se reunirem naquele sabadão preguiçoso para o tal jogo amistoso, já terão na cabeça um monte de idéias para os personagens. Um pensa em jogar com um bombeiro, outro como repórter de uma rede de tv local, já outro pensou em uma história interessante sobre um mergulhador profissional que serviu na Marinha. Todos vocês terão feito pesquisas, mesmo que rápidas, sobre os papéis que pretendem desempenhar. Já o amigo que “mestrará” (adoro essas palavras inventadas) o jogo vai apresentar a vocês uma breve narrativa sobre o mundo em que vivemos hoje e sua versão para a Terra num futuro próximo, atingida por uma profunda crise ecológica. Possivelmente apresentará alguns recortes de jornais e fotos de satélite para tornar tudo mais realista. Então, vocês partirão para o jogo propriamente dito.
No final dessa sessão de jogo, não importa que a aventura tenha caminhado para um tema de ficção científica, fantasia ou realidade, você e seus amigos terão aprendido muito sobre eventos recentes (furacões nos EUA, tornados no sul do Brasil ), temas importantes de discussão (aquecimento global, mudanças climáticas, inundações) sem falar no “aprender a planejar e buscar seus objetivos”, já mencionado no meu artigo anterior.
Você acha que esse exemplo foi específico demais? E que tal uma aventura histórica? Sabe, quando eu disse para minha família e amigos que ia estudar História na universidade porque ela me daria base para escrever minhas histórias e jogos, muita gente perguntou se eu ia colocar castelos no espaço e cavaleiros montados em foguetes. Piadas à parte, descobri que estava certo.
Já ouviu aquele ditado de que ‘a história sempre se repete’? Ou aquele outro de que ‘nada se cria. Tudo se copia’? Pois é. Tudo que você precisa para criar é ficar atento a tudo e usar a imaginação. Eu devoro livros e mais livros dos assuntos mais variados. Até sobre temas ligados a Física e Química – que sempre odiei, diga-se de passagem – já li e aprendi por causa de uma idéia.
Você pode usar um evento histórico como base para sua história. Pegue, por exemplo, a Grécia Antiga. Você tem um povo com uma língua e crenças similares, vivendo em Cidades-Estado distribuídas por uma região costeira e ilhas. Ao longo do tempo, essas cidades foram fundadas, formaram alianças, entraram em guerras e algumas foram destruídas. Sobreviveram às invasões Persas duas vezes. (Já ouviu falar da Batalha das Termópilas? Virou até quadrinhos com o nome de ‘300 de Esparta‘ e vai virar filme em breve. Foi uma história real.). O pensamento, a mitologia e a cultura grega, em geral, foram tão importantes que influenciaram toda a cultura ocidental. Mas com o surgimento do Império Romano, as Cidades-Estado gregas perderam sua independência.
Mas, e daí? Pense, então, no seguinte cenário: uma história de ficção científica, passada no século 25, onde os habitantes da Terra colonizaram vários outros planetas, mas cada um tem seu próprio governo e variações de cultura-base. Esses mundos se relacionam. Alguns negociam mercadorias, outros guerreiam e outros apenas se toleram. Até que uma força desconhecida chega, querendo dominar tudo, e a união é a única forma de resistir. Não poderia ser interessante?
Com um pouco de imaginação e conhecimento, você pode jogar elementos reais em um universo fictício seu, da maneira que quiser. Pode, por exemplo, criar uma história usando elementos da cultura Egípcia no século 20 A.C., do Império Asteca e da Espanha Muçulmana do início da Idade Média, todos envolvidos em sua versão da Guerra dos 100 anos, durante o início da Revolução Industrial. Quem sabe dessa salada sai uma história fantástica? E você terá dados reais em que se basear.
Aprendizado de História e Geografia à parte, jogar RPG (tanto como Mestre do Jogo como jogador) obriga o participante a raciocinar. Você é apresentado a pistas para desvendar um crime ou abrir uma porta mágica. Tem de planejar como lidar com um vilão perigoso ou como passar por aquela armadilha mortal. Deve escolher entre partir para o ataque agora que o inimigo está desprevenido ou esperar para conseguir mais ajuda.
Nem os jogos mais hack ‘n slash (gíria para um jogo em que o objetivo é simplesmente matar monstros) conseguem fugir do raciocínio obrigatório. Você vai ter de escolher bem seu equipamento, pensando em como você e seu grupo vão agir juntos. Tem de definir que habilidades seu personagem terá e, mais tarde, decidir quais delas utilizará para passar por um obstáculo.
Não vou nem entrar em casos mais específicos. Aprendi da pior maneira o efeito da ressonância quando um personagem meu disparou uma arma supersônica dentro de um túnel de metal fechado. Já um outro jogador uma vez utilizou a magia para gerar eletricidade e eliminar um pelotão de inimigos que vinham pelo pântano, todos com os pés dentro d’água. Um outro utilizou uma seqüência de poderes mágicos para provocar um terremoto e para transformar partes da estrutura de um templo em lama fazendo com que metade dele desmoronasse (fiquei bastante irritado por ter gasto um bom tempo desenhando aquele mapa só para vê-lo cortado pela metade em 2 minutos, mas foi um excelente raciocínio).
Ultimamente, fala-se muito sobre o uso do RPG nas escolas, como forma de aprendizado. Meu sonho é produzir um projeto desses, em que o aluno se torna jogador e aprende jogando. Aos poucos, esse sonho está se tornando realidade. Quem sabe, em breve você não estará se aventurando nesse mundo virtual e, no final, sairá pronto para combater os desafios de uma prova final?
João Marcelo
diretor de criação da Eschola.com
autor do livro de ficção Véu da Verdade
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