É chover no molhado dizer que uma aventura de RPG alcança um maior índice de diversão e empenho dos jogadores quanto maior for o índice de fidelidade às regras do sistema utilizado, emprestando a sensação de realidade à fantasia do grupo. Os problemas começam quando os enredos dos jogos começam a cair na mesmisse da repetição sem fim: é sempre um grupo de heróis (ou vilões, ainda se decidindo num grupo que já se conhece anteriormente e o que se conhece no início da aventura), sempre a taverna (ei, os personagens precisam se conhecer em algum lugar, não é?), sempre o reino em perigo, o bárbaro burro, o cavaleiro valente, etc, etc…
Bem, uma das maneiras de inovar em suas aventuras é substituindo ligeiramente o conhecimento fantástico pelo conhecimento Físico. Tenha em mente que o planejamento de uma aventura de RPG criada para simples diversão não é diferente do planejamento de uma aula por um professor. Até porque toda relação ensino-aprendizagem envolve a diretividade do educador – e experimente Narrar uma aventura sem diretividade para ver o que acontece! Além do quê, se apresentado de forma correta e adequada ao jogador, o mundo físico pode ser bem mais fascinante que qualquer outro que a imaginação seja capaz de criar (sem falar da surpresa do jogador, desacostumado a esse tipo de ambientação nas aventuras).
A ambientação, aliás, é uma ferramenta bem conhecida e bastante utilizada pelos autores de Romances de divulgação científica e nas telas do cinema, os filmes de ficção da série Matrix causaram furor ao sugerirem a existência de um mundo de sonhos gerado por computador, o qual, por meio de uma realidade virtual, simularia o nosso. Brincando com o fato de que tudo que é captado pelos nossos sentidos é interpretado pela nossa programação cerebral – como nas especulações de Descartes sobre a possibilidade de engano por meio dos sonhos ou de um enganador maligno, o grande êxtase do espectador ao assistir o primeiro filme da série é causado pelo “efeito especial” que dá ao espectador a impressão de acompanhar a trajetória de uma bala projétil em movimento em tempo real, incluindo a formação dos chamados cones de Mach em sua trajetória – mas aqui esse papel cabe à esquiva do protagonista (uma prática impossível no cotidiano). Talvez por ser o princípio físico com o qual as pessoas travam maior contato durante toda sua vida, é o movimento o responsável por grande parte do impacto gerado pelos filmes de ação, que não se cansam de utilizar a velocidade como elemento de fascínio. Em “O incrível mundo da Física moderna”, George Gamow nos apresenta ao Sr. Thompkins – um simpático funcionário bancário interessado na Física Moderna em seu dia de folga que durante o sono se vê transportado a um mundo fantástico, onde experimenta os efeitos relativísticos do movimento em tarefas típicas como um passeio de trem pela cidade. Trata-se, é claro, de um livro de divulgação científica escrito por um físico renomado, com o claro objetivo de ensinar física.
Porém, o que impede um jogador comum, sem formação superior ou conhecimento profundo de física, em especial, de utilizar esses elementos em suas aventuras? Absolutamente nada! Basta ter em vista que um dos maiores atrativos ao leitor de ficção científica é a capacidade de mergulhá-lo em um mundo novo, onde coisas fantásticas ocorram o tempo todo. Com isso, tem-se que o padrão da ficção científica está então mais nas inovações de caráter semiótico (Idéias e conceitos diferentes ou aplicados de maneira diferente da cotidiana) e menos na ciência e em inovações tecnológicas.
Um bom exemplo é a clássica seqüência cinematográfica do filme 2001 – Uma odisséia no espaço, em que o diretor da Nasa viaja até a lua em um avião da Pan Am. É a mesma estratégia utilizada por Robert Gilmore em seus livros “O mágico dos Quarks” e “Alice no país do Quantum”: a ambientação adequada permitirá ao jogador utilizar seu personagem e absorver conhecimentos de física, ao tempo que se diverte em seu passatempo favorito…
Por exemplo: a longevidade de um cavaleiro que se mova sobre um cavalo relativístico pode ser explicada pela dilatação do tempo em velocidades próximas a da luz. A utilização deste tipo de enredo durante as aventuras estimula a curiosidade do jogador em entender como o movimento de um cavalo (integrado à nossa Realidade e dotado de comportamento físico condizente) se dá de maneira tão diferente? A primeira impressão, óbvia, seria predizer uma resposta mágica ao problema – o que acaba caindo no clichê tudo veio daquele livro de regras “X”. Um outro exemplo de utilização de tópicos de Física Moderna para uma aventura de RPG seria através de uma narrativa do tipo busca, onde os personagens desvendariam o mistério de um pergaminho estranho, detentor de grande e desconhecido poder: parece outro chamativo clichê para uma aventura do tipo ai> magia responde a tudo, mas não se a escrita do pergaminho fossem na verdade os diagramas de Feynman. Durante uma aventura de tradicional de RPG de mesa, um jogador pode viajar com os olhos da mente através de florestas e montanhas, enfrentar dragões e superar desafios. Não é difícil uma adaptação da dinâmica de jogo que o leve a imaginar o momento em que a massa que originou o universo estava condensada em algo semelhante a um grão de areia, ou mesmo a situar suas aventuras fantásticas em um mundo em que personagens convivam com os efeitos da mecânica quântica em seu cotidiano. Acreditar que o RPG se resume ao tipo de ambientação descrita pelo seu sistema, não é correto. Assim como não o é dizer que o uso da abstração descaracterizaria o conceito físico abordado, dificultando sua compreensão: o fabricante (ou o escritor) do sistema que você utiliza, com certeza, o planejou para que você pudesse se divertir ao máximo durante sua prática. O que não o impede de ir além, construir novas regras, elaborar seu próprio cenário e ser o criador de seu próprio mundo.
Por último – mas não menos importante – lembre-se que vivemos em tempos conturbados, onde o RPG é constantemente (e injustamente!) acusado de ser o culpado pela má conduta de elementos de formação e caráter para lá de duvidosos. Em um país como o nosso, onde a educação está longe de ocupar um lugar privilegiado na lista de prioridades de qualquer governo recente, ignorância parece não ter sossego enquanto não destituir um dos poucos hobbies que estimulam a criatividade, o exercício aceitável da imaginação e o pensamento crítico. Para completar, nossa sociedade não vê com bons olhos o conteúdo mitológico e ilustrativo de muitos livros de RPG (talvez, me pergunto, os censores acreditem mais na realidade desses mitos do que nós). A melhor maneira de combater esse preconceito é o esclarecimento, a educação. O ensino. Seus pais podem até não ver com bons olhos sua prática RPGística, mas em sua próxima visita a uma livraria, experimente adquirir um dos livros que citei lá em cima – e deixe que seus pais o vejam durante sua leitura.
É a utilização do tempo de leitura e estudo empenhados pelos jogadores no aprendizado das regras e cenários de jogo que se encontra o que chamo de segredo maravilhoso do RPG. Claro, para nós, não é nenhum segredo. Mas, uma vez que o público leigo insiste em fazer vista grossa ao forte estímulo que a prática do RPG fornece à leitura (inclusive dos grandes clássicos da literatura), taxando o jogo como violento, a adoção de uma leitura variada para fortalecimento do elemento criativo em suas histórias pode muito bem transformar seus pais em fortes defensores do seu Hobby: afinal, que pais não adoram ver seu filho as voltas com um livro de física?
Era a minha mensagem para hoje: na próxima quinzena, deixarei um pouco de lado a Física Moderna para explorar um outro ramo da Física bastante interessante e largamente aplicável aos jogos de RPG: a Geofísica (física aplicada à Geologia), explorando o conceito de construção de mundos – e as limitações que as magias ligadas a terremotos devem sofrer…até lá!
“Física no RPG ”
- Parte I – Superpoderes e o Superconhecimento
- Parte II – Supervelocidade: SuperPoder ou SuperMaldição?
“RPG e Física. Alguma relação?”
- Parte I – O que desenhar mundos imaginários em papel quadriculado tem a ver com Física?
- Parte II – Era Einstein um RPGista?
- Parte III – Deve ser brincadeira: Jogar RPG com Feynman?
- Parte IV – Bandidos e mocinhos: A entropia, Maxwell e seu demônio de estimação
Por Francisco de Assis Nascimento Júnior
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